a mulher mais feia da cidade

| 16 de jun. de 2009
raimunda é a mulher mais feia da cidade.
manca de uma das pernas, pesando cento e vinte quilos em um corpo deformado de um metro e cinquenta e oito, é quase cega do olho esquerdo, tem problemas intestinais e ainda não sabe o que é o amor. se não bastasse a desgraça de nascer feia e motivo de piada entre as crianças do bairro aonde mora, raimunda é a filha caçula de uma família pobre da periferia que, sem dinheiro para comprar roupas, lhe veste com alguns panos remendados usados por suas irmãs mais velhas. seu pai é um cobrador de ônibus que intercala o tempo de trabalho com algumas doses de vinho barato. sua mãe é zeladora em uma escola pública.
raimunda possui imensas papadas debaixo do braço que lhe impedem de raspar os pêlos de suas axilas. a tarde, caminhando de volta pra casa do curso de operadora de telemarketing que realiza numa escola profissionalizante, o suor lhe escorre pelo corpo, melando sua imensa barriga, e raimunda fede o cheiro de uma menina sem dinheiro para comprar cremes ou perfumes ou qualquer produto de beleza, que recheiam os catálogos de suas vizinhas vendedoras. ela já foi recusada em três entrevistas de emprego com a desculpa de que sua voz é inaudível, como quem tem um ovo preso à garganta.
ainda pequena, raimunda começou a desenvolver uma doença incurável em seu intestino, que lhe faz permanecer durante horas despejando toda podridão que possa existir dentro de um ser humano. durante esse tempo acostumou-se a levar um bloco de notas e uma caneta para o banheiro. e enquanto seu corpo tratava de jogar fora todas as impurezas que lhe habitavam, raimunda escrevia algumas poesias, e encontrava nelas uma forma de se comunicar com o mundo.
raimunda nunca foi moça de frequentar bibliotecas, nem conhece os grandes homens da literatura. escreve como quem descasca laranjas. sem medo de cometer equívocos de linguagem. sem medo de trocar acentos. de esquecer vírgulas. escreve aquilo que tem vontade de dizer. e de alguma maneira, a mulher mais feia da cidade, sentada em um vaso de privada, enquanto defeca a janta gordurosa preparada por sua mãe, escreve algumas coisas que valem a pena serem ditas, como quem colhe rosas em um chiqueiro.

3 comentários:

Ms Galvao disse...

tem continuacao????

Daniel A. S. disse...

Gostei do texto, sua narrativa é muito boa, quero ver o desenrrolar dessa história do Patrick...

http://daniel.a.s.zip.net

Marcos Vinícius Almeida disse...

"como quem colhe rosas em um chiqueiro."

e fim de papo.

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