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vida de repórter

| 29 de jun. de 2009
"O primeiro ano foi muito difícil em São Paulo. Eu me transformei num repórter sem sequer saber andar pelas ruas. Cada dia precisava descobrir por conta própria e erro. Morava em pensão, almoçava e mal jantava. Eu odiava chuva porque molhava o sapato, tinha que deixar no forno ou com jornais dentro para secar. Não tinha amigos, não conhecia ninguem. Tímido, introvertido, custava a me ligar a alguem. Mas eu nao queria voltar, voltar seria o fracasso, e eu tinha saido para vencer. Comecei a descobrir a noite, os encantos de ficar pelas ruas, entrar e sair de boates, conviver com os tipos, ver o sol nascer. Passado o primeiro ano estava fixado. Me tornei paulistano". - Ignacio de Loyola Brandão em entrevista a Edla van Steen.
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eterno

| 26 de jun. de 2009
ainda estou perplexo com a morte daquele que foi o messias da minha educação musical. michael jackson foi o astro maior de sua geração. sua música e sua dança e seus videoclipes são um marco para a história do entretenimento e continuarão influenciando um batalhão de artistas pelos quatro cantos do mundo. seu talento é incomparável, insubstituível e único. michael mudou a cara da cultura pop do século vinte, e sua morte é a grande perda da década. o ícone, o rei do pop, o gênio, o astro maior, michael jackson foi embora, e o mundo sentirá muita falta dele.
descanse em paz.
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(...)

| 25 de jun. de 2009
eu gostaria de poder encontrar algumas palavras bacanas para definir esse que talvez seja o momento mais importante da minha vida. mas acho que, muito provavelmente, nos próximos dias o meu blog permanecerá em silêncio. até porque amanhã eu volto pra casa. decisões serão tomadas. e eu terei uma semana inteira para definir uma simples questão - qual é o meu papel em frente ao universo?
só espero que o avião não caia no meio do caminho.
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a globalização e outras coisas criadas pela globo!

| 24 de jun. de 2009
quando eu era pequeno sonhava em poder mudar o mundo. e embora ainda hoje mal consiga controlar o rumo da minha vida e das outras pessoas que estão ao meu redor, o sonho de poder encontrar um lugar mais justo, com homens e mulheres cuspindo felicidade ao abrir a boca, ainda permanece trancafiado dentro de mim.
apesar desse papinho utópico, parte daquele que deveria ser o meu lado ético e politicamente correto, acredita que o mundo seria um saco se não houvesse um pingo de tristeza nas pessoas. o amor, aclamado como o mais nobre dos sentimentos, sem essa felicidade triste ao qual se referia paulo de tarso há tanto tempo atrás, seria vago e sem graça. e por mais estranho que possa parecer, ainda consigo encontrar um sentido caso alguma guerrinha exploda bem longe do meu rabo, se isso for necessário para o desenvolvimento científico, tecnológico, politico e cultural de uma nação.
por essas e outras que nunca fui comunista. acho que ainda estaríamos por aí, desenhando e resmungando dentro de cavernas, se não fosse a velha luta de classes. não estou pintando um quadro com corpos mutilados num front de batalha, mas a competição é um processo natural para ocorrer a evolução humana. enquanto os macacos estavam comendo bananas pelas selvas paleolíticas, os homens estavam fechando o pau atrás de fogo. e foi preciso que esse quebra-quebra atravessasse os séculos para que os nossos ancestrais peludões conseguissem fazer a barba. e muitas cabeças rolaram para que o homem moderno conseguisse fazer coisas simples como andar de avião, acessar um email ou trepar de camisinha. livros. músicas. quadros. filmes. a opressão sempre foi um combustível para a cultura.
ao mesmo tempo, não acredito que os estados unidos da américa tenha se tornado a maior potência mundial simplesmente por seu poder de fogo. o domínio do império americano conquistou o mundo sem invasões bárbaras. ele está presente a cada vez que pingamos um açúcar dietético no nosso cafézinho, e quando escovamos os dentes com colgate. os americanos colorem os tubos de nossos televisores com seus filmes, e seus videoclipes, e suas séries de ficção científica, e nos telejornais em que vimos a presença de um presidente negro conquistar o sorriso de uma criança pobre. a cada vez que nos vestimos com sua moda, e compramos seus best sellers. a cada vez que acessarmos o google ou olharmos para a lua - lá estará fincado, tremulando, uma bandeira dos estados unidos da américa.
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quem não se comunica, se trumbica!

| 23 de jun. de 2009
no tempo em que a caixinha de correio era uma ferramenta importante para a comunicação das pessoas em nosso país, o drummond dizia que "solitário era o homem que nunca havia recebido uma carta". hoje, quando eu abro a caixa de mensagens de meu email, sempre lotada, me bate uma tristeza danada porque só consigo visualizar uma tonelada de propagandas e spams e outras tantas coisas que, definitivamente, não irão alterar o rumo da minha vida. "pare de fumar, fumando", "aumente seu pênis", "ponha silicone e pague em 12x sem juros", além de um milhão de piadas, e mensagens de fé e esperança, e correntes e lendas cibernéticas, e fotos de mulheres peladas, e vírus, e muito lixo. acho, infelizmente, que essa situação aconteça com a grande maioria das pessoas (pelo menos por aquelas que não utilizam uma conta de email pago, com um anti-spam eficiente, como eu). o ser humano, no alto de seu vazio e no cume de sua falta de conteúdo, perdeu as razões de escrever e perguntar e responder e criar situações interpessoais. afinal de contas, é muito mais fácil fazer um protótipo, apertar ctrl c + ctrl v, e sair por aí distribuindo para quem quer que seja. e logo a amazônia se transforma em território da onu, e aparecem as fotos sem photoshop das últimas capas da playboy com milhares de celulite na bunda, e então códigos milagrosos geram milhões em crédito pra celular, e cientistas de uma faculdade norte americana qualquer dizem que ouviram e gravaram os gritos do inferno. pra piorar a situação uma tal de ana me manda em anexo algumas fotos que jura ter tirado comigo em um motel do sergipe no último sábado à noite, e uma certa rafaela me manda um cartão virtual dizendo que está com saudades, embora eu nunca tenha estado no sergipe e não conheça nenhuma rafaela.
nessa última semana o supremo tribunal federal decretou que o diploma de jornalismo não será mais obrigatório para exercer a função. e acho que essa marginalização da verdade e da matéria jornalística, vendida através de sites e blogs e twitters e em comunidades de orkut e facebook, em emails e em tantos outros canais disponíveis na grande rede, são responsáveis pela maior crise na história da comunicação, culminada com essa decisão de nossa justiça. você só precisa digitar uma palavra no google e pronto. um milhão de fontes aparecem. e os grandes portais, movidos com a publicidade de grandes empresas, ocupam as primeiras posições na pesquisa. se clicar em qualquer um deles, eu poderia apostar com você de que provavelmente aquela matéria tenha sido produzida dentro de uma sala bem refrigerada, com informações extraídas através de outros sites, e fotos de agências de notícias e, quem sabe, com entrevistas realizadas por telefone ou email. ainda poderia jurar que o responsável pela matéria, enquanto a publica, acompanha algumas imagens silenciosas da globo news em um televisor ao seu lado e namora com a máquina de café.
vivemos o tempo da trumbica.
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MEMÓRIAS DE INFÂNCIA

| 22 de jun. de 2009
é muito difícil falar do meu tio márcio e não lembrar do meu tio maurício. assim como é praticamente impossível escrever qualquer coisa sobre o meu tio maurício, e não ter o meu tio márcio presente em boa parte do texto. porque esses caras se completam. como uma boa dupla. a relação deles, de irmão que dividiam os mesmos beliches e contavam segredos um pro outro desde muito cedo, é uma relação que atinge os limites do verdadeiro amor e da amizade mais leal que possa existir.
o márcio impressiona pela perspicácia de alguém que, por exemplo, consegue somar a quantidade exata de pontos que possam haver em várias pedras de dominó jogadas pela mesa, apenas com um olhar. de alguém capaz de soltar frases, respostas, comentários e piadas de uma maneira tão única e inteligente, que registram sua marca e afloram o seu carisma. ele não foi formado na faculdade mais cara e mais concentuada do sul do brasil, mas quem se importa? seu conhecimento sobre as coisas mais bacanas da vida (e não estou falando apenas sobre mulheres, ok?) ultrapassam qualquer barreira acadêmica.
o maurício é o meu tio caçula. ainda criança queria limonada no almoço, e ganhou uma lição de moral do meu avô. tomou, sozinho, depois de tanto irritá-lo, uma jarra inteira. até hoje foge dos limões. apesar desse fato, carrega um coração do tamanho do mundo dentro dele. seja quando está tomando uma cerveja ou trocando uma conversa sobre qualquer coisa, seja fazendo o churrasco de domingo, levando a gente pra praia, seja até mesmo quando está vestido de papai noel no dia de natal, e faça a gente se emocionar com a pureza de seus filhos, o maurício é um apaixonado pela sua família. e a sua família é louca por ele.
esses dois são responsáveis por boa parte da minha educação e da minha construção como homem. reunidos na casa da minha avó, tomando cerveja nos sábados à noite, conversando sobre mulheres e sobre futebol e cinema, e sobre todos os assuntos que eles dominam tão bem, parecia que o tempo passava mais rápido perto deles. e se hoje o escudo do fluminense representa o brasão hereditário de nossa família, muito disso é culpa desses dois fanáticos tricolores, que quebram vasos pelo fluminense, que choram pelo fluminense, que carregam o fluminense no sobrenome.
eu poderia falar durante horas sobre como já nos divertimos juntos, e sobre como respeito esses dois e o quanto sinto saudade por hoje estarmos morando longe um do outro. eu carrego a melhor imagem possível do márcio e do maurício. a dupla imbátivel, feito batman e robin, não é mesmo?
(às vezes só fico em dúvida na hora de saber quem é o ativo e quem é o passívo!!)
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das coisas que não existem

| 21 de jun. de 2009
há alguns meses atrás eu era um menino com data marcada para encarar um casamento, e as responsabilidades da construção de uma família, e todas essas coisas que fazem os meninos se tornarem homens. de repente, num desses momentos transformadores na vida de uma pessoa, tudo aquilo que eu acreditava, e que movia os meus dias e as minhas ações e os meus projetos, deixaram de existir. e eu descobri uma necessidade absurda de poder me sentir apaixonado novamente. de poder sair nas ruas atrás de pessoas interessantes que pudessem me manter vivo por mais tempo e que fizessem eu me sentir um pouco mais humano.
eu era um fantoche nas mãos do destino, e passava a maior parte do tempo olhando as meninas que andavam de um lado pro outro pelas ruas. pensando comigo quando iria surgir aquela que fosse mudar a ordem dos meus dias. eu via meninas de todos os tipos e todos os tamanhos, e ficava sonhando com cada uma delas pegando com ternura nas minhas mãos, e me levando pra conhecer o mundo. às vezes eu me pegava falando baixinho - "o que você quer? você quer a lua? basta dizer uma palavra e eu vou atirar um laço em torno dela e puxá-la para baixo". e então, apesar de uma carência absurda que poderia me levar a cometer grandes equívocos, eu descobri que a maioria das meninas que andavam pra lá e pra cá, e povoavam a minha imaginação, eram enfadonhas e tinham muita pouca coisa a acrescentar ao meu universo.
eu me sentia como se tivesse aquele pássaro do bukowski dentro de mim, e a única vontade que adquiri nesse tempo foi a de sair do brasil. eu imaginava a quantidade de pessoas que pudesse haver no mundo, cada uma vivendo dentro de seus universos paralelos, alternando momentos de felicidade com momentos de angústia, e a sensação de poder encontrar com alguém, em algum lugar desse planeta, que pudesse salvar o meu rabo das sandices desse mundo, era o que me mantinha de pé e o que me fazia sonhar nas noites de desencanto.
eu acho que muita gente já escreveu sobre muita coisa nessa vida. e o que eu mais gostaria de poder deixar registrado para a garota dos meus sonhos, embora eu não saiba se algum dia chegarei a conhece-la e se ela irá me aceitar da maneira que eu sou, é uma frase citada pela rachel de queiroz há algum tempo, e que traduz exatamente aquilo que eu gostaria de dizer:
- eu existi, eu sou, eu pensei, eu senti, e eu queria que você soubesse.
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nós cantamos. nós dançamos. nós roubamos coisas.

| 20 de jun. de 2009
no dia treze de maio de dois mil e oito, dia do meu aniversário de vinte e um anos, um americano nascido na virgínia chamado jason thomas mraz, lançaria um album que figuraria, dentro do meu universo, como um dos maiores da década.
'we sing. we dance. we steal things' já vendeu quase um milhão de cópias pelo mundo. o título do álbum viria de uma peça do artista plástico david shrigley, que mraz conheceria em uma viagem à escócia e que viria a ser o responsável pela capa de seu disco.
"i'm yours", sua primeira música de trabalho, figurou praticamente o ano inteiro entre o top dez da revista bilboard (foi a música mais tocada do ano nos estados unidos, na alemanha, na itália, na argentina, na noruega, na nova zelândia, na suécia e na áustria). e ainda ganharia o grammy na categoria 'música do ano'.
depois de ter passado quatro anos do lançamento de seu primeiro álbum ('waiting for my rocket to come'), com hits como "you & i both" e "remedy (i won’t worry)", e de logo em seguida ter lançado seu segundo álbum ('mr. a-z'), que deu continuidade ao sucesso do primeiro, com novos hits e uma indicação ao grammy, mraz decidiu parar. queria cuidar do seu gato e do seu jardim. queria poder voltar a andar nas ruas e a lavar sua roupa e a fazer compras no supermercado. queria voltar a fazer coisas simples. e após uma interminável pausa de um ano na carreira, longe dos estúdios, e dos palcos e dos programas de televisão, mraz despertaria para redescobrir sua arte.
- de repente eu acordei e músicas de verdade começaram a brotar de mim. músicas que eu não tinha planos de compor. mas isso acabou se tornando uma reflexão de como me sinto, do humor em que estava, e desses despertamentos que eu estava tendo. por esses momentos de auto-realização, auto-poder e auto-aperfeiçoamento, fiquei feliz em poder fazer um álbum ao mesmo tempo em que estava voltando ao planeta terra.
o disco ainda ganharia as participações especiais de colbie caillat (na canção "lucky", feita por mraz e colbie, fã declarada de seu trabalho) e de james morrison em "details in the fabric" (cantor britânico que viria a ter o mesmo produtor de mraz).
'we sing. we dance. we steal things' é impecável do início ao fim. da primeira letra da primeira música, aos arranjos, e aos solos dos metais, e na voz de mraz, e na composição de suas músicas. e na leveza com que carrega uma obra que viria a ser o grande álbum de sua curta carreira, e que iluminaria o meu playlist musical por um bom tempo.
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FILMES PARA VER ANTES DE MORRER

| 17 de jun. de 2009
O ESCAFANDRO E A BORBOLETA
(Le Scaphandre et le Papillon - França) de Julian Schnabel, 2007. IMDB - 8.1
Com Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner, Marie-Josée Croze, Anne Consigny, Max von Sydow.

- Recebeu 4 indicações ao Oscar, nas categorias de Melhor Diretor, Melhor Fotografia, Melhor Edição e Melhor Roteiro Adaptado.
- Ganhou 2 Globos de Ouro, nas categorias de Melhor Diretor e Melhor Filme Estrangeiro. Foi ainda indicado na categoria de Melhor Roteiro.
- Ganhou o BAFTA de Melhor Roteiro Adaptado, além de ser indicado na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.
- Recebeu 7 indicações ao César, nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Mathieu Amalric), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição, Melhor Fotografia e Melhor Som.

em mil novecentos e noventa e cinco jean-dominic bauby, então editor-chefe da revista francesa de moda 'elle', sofreu um derrame que lhe deixou em estado vegetativo. paralisado dos pés a cabeça, graças a rara síndrome do encarceramento, bauby estava aprisionado ao seu próprio corpo. incapaz de pronunciar uma única palavra, mas com sua consciência intacta, o personagem vivido por mathieu amalric aprende a desenvolver, com a ajuda de uma fonoterapeuta, uma maneira peculiar de se comunicar com o mundo e as pessoas à sua volta - piscando o olho esquerdo, único órgão com mobilidade sobrevivente da emboscada suicída causada por seu próprio corpo. bauby estabelece uma conexão para registrar suas sensações em um livro. para isso precisaria ditar letra por letra, piscando na presença de uma tradutora. o resultado disso seria a publicação de 'o escafandro e a borboleta', dois anos após seu derrame, aclamado pela crítica e pelo público. bauby morreria dez dias após a publicação de seu livro.
o nova iorquino julian schnabel, diretor de 'antes do anoitecer' (cinebiografia do poeta cubano reinaldo arenas), carrega o filme com leveza, transportando o telespectador para os olhos (e os pontos de vista) de um homem enterrado vivo por seu corpo. o trabalho lhe rendeu uma indicação ao oscar, e uma estatueta no globo de ouro como melhor diretor. schnabel, que estava há sete anos longe das filmagens, nos conta uma história sobre a força do espírito humano. ainda que parecesse aprisionado por um escafandro - uma armadura de borracha e ferro usada por mergulhadores para trabalhos no fundo do mar -, através de sua consciência e de suas memórias e desejos, bauby era um homem livre para conhecer novos lugares, na companhia das mulheres mais bonitas de seu país, comendo nos melhores restaurantes, pegando ondas, dançando e vivendo da maneira que achasse melhor. como uma borboleta.
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a mulher mais feia da cidade

| 16 de jun. de 2009
raimunda é a mulher mais feia da cidade.
manca de uma das pernas, pesando cento e vinte quilos em um corpo deformado de um metro e cinquenta e oito, é quase cega do olho esquerdo, tem problemas intestinais e ainda não sabe o que é o amor. se não bastasse a desgraça de nascer feia e motivo de piada entre as crianças do bairro aonde mora, raimunda é a filha caçula de uma família pobre da periferia que, sem dinheiro para comprar roupas, lhe veste com alguns panos remendados usados por suas irmãs mais velhas. seu pai é um cobrador de ônibus que intercala o tempo de trabalho com algumas doses de vinho barato. sua mãe é zeladora em uma escola pública.
raimunda possui imensas papadas debaixo do braço que lhe impedem de raspar os pêlos de suas axilas. a tarde, caminhando de volta pra casa do curso de operadora de telemarketing que realiza numa escola profissionalizante, o suor lhe escorre pelo corpo, melando sua imensa barriga, e raimunda fede o cheiro de uma menina sem dinheiro para comprar cremes ou perfumes ou qualquer produto de beleza, que recheiam os catálogos de suas vizinhas vendedoras. ela já foi recusada em três entrevistas de emprego com a desculpa de que sua voz é inaudível, como quem tem um ovo preso à garganta.
ainda pequena, raimunda começou a desenvolver uma doença incurável em seu intestino, que lhe faz permanecer durante horas despejando toda podridão que possa existir dentro de um ser humano. durante esse tempo acostumou-se a levar um bloco de notas e uma caneta para o banheiro. e enquanto seu corpo tratava de jogar fora todas as impurezas que lhe habitavam, raimunda escrevia algumas poesias, e encontrava nelas uma forma de se comunicar com o mundo.
raimunda nunca foi moça de frequentar bibliotecas, nem conhece os grandes homens da literatura. escreve como quem descasca laranjas. sem medo de cometer equívocos de linguagem. sem medo de trocar acentos. de esquecer vírgulas. escreve aquilo que tem vontade de dizer. e de alguma maneira, a mulher mais feia da cidade, sentada em um vaso de privada, enquanto defeca a janta gordurosa preparada por sua mãe, escreve algumas coisas que valem a pena serem ditas, como quem colhe rosas em um chiqueiro.
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a parada gay e outros clichês de multidão

| 15 de jun. de 2009
os gays invadiram as ruas de são paulo no último domingo com suas roupas coloridas e suas maneiras divertidas de encarar o mundo. três milhões e meio de pessoas circularam pelos arredores da avenida paulista levantando bandeiras do orgulho gay, com muita música eletrônica, beijos cinematográficos, erotismo e esteriótipos caricatos desfilando seminus em trio elétricos.
a festa da diversidade organizada pela maior parada glbt do mundo é o segundo evento que mais atrai turistas à cidade de são paulo - só esse ano foram mais de quatrocentos mil - e movimenta aproximadamente cento e oitenta e nove milhões de reais à economia paulistana. é o evento mais lucrativo feito na cidade e conta com o apoio da prefeitura municipal.
cerca de mil oficias das polícias civil e militar foram chamados para cobrir a segurança do evento. cinquenta e oito pessoas sairam feridas por conta de agressões de grupos de intolerância - vinte e duas delas na explosão de uma bomba caseira no largo do arouche. o caso mais grave de violência ocorreu por um homem de trinta e cinco anos que sofreu traumatismo craniano, após ser violentamente espancado por um grupo homofóbico. nas proximidades do masp cinco pessoas se envolveram em uma briga. três delas foram esfaqueadas e levadas à santa casa. oitenta e nove boletins de ocorrências foram registrados, a maioria por conta de furtos de celulares, carteiras e câmeras digitais.
com duas horas de evento haviam sido registradas vinte e cinco ocorrências médicas. em menos de quatro horas haviam sessenta. a maioria por jovens com ingestão alcoólica. trezentos e cinquenta homens da guarda civil metropolitana foram escalados para apreender as bebidas batizadas vendidas por ambulantes. as garrafas recolhidas encheram quatro caçambas. a bebida mais vendida pelos camelôs é uma garrafa plástica de vinho, da marca cantina do vale, vendida por cinco ou seis reais, dependendo do humor do vendedor.
a parada gay levou muitos foliões às ruas carregando placas pedindo beijos e amassos e jurando amor eterno. o clima era de sodomia, apesar dos treze graus que caia sobre a cidade. ninguém era de ninguém. homens de mãos dadas com outros homens beijando todas as mulheres que aparecessem pela frente. lésbicas trocando amassos com meninas, enquanto seus namorados acompanhavam em casa partidas de futebol pela televisão. senhoras com netinhas no colo, defensoras da liberdade sexual e de expressão, tirando fotos com travestis.
no último domingo, pelas ruas da cidade de são paulo, não era possível definir um ser humano simplesmente como homem e mulher.
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FILMES PARA VER ANTES DE MORRER

| 14 de jun. de 2009
UP - ALTAS AVENTURAS
(Up - Estados Unidos) de Pete Docter e Bob Peterson, 2009. IMDB - 8,9
com vozes de Ed Asner, Christopher Plummer, John Ratzenberger e Jordan Nagai.

"Up - Altas Aventuras", filme que tem estréia nos cinemas nacionais no próximo dia 4 de setembro, é mais uma obra de arte produzida pela Pixar/Disney.
O filme narra a história de Carl Fredricksen, um sujeito que passou a vida inteira idealizando uma viagem exploratória à Cachoeira do Paraíso, na América do Sul, que alcança os 78 anos de idade e, após ver sua amada Ellie morrer, resolve realizar seu sonho amarrando millhares de balões de gás à sua casa, voando rumo ao outro lado do continente. O que Carl não poderia imaginar é que acabaria levando sem querer à sua expedição pelas selvas amazônicas, um otimista escoteiro 70 anos mais novo que ele. O filme, que coloca como personagem central um senhor de idade, faixa etária dificilmente contemplada em filmes de aventura, é recheado de cenas de ação e diálogos engraçados.
A animação abriu o Festival de Cannes desse ano e rendeu aproximadamente U$137,3 milhões nos primeiros dez dias de exibição, liderando as bilheterias do cinema norte americano. "Up", dirigido por Pete Docter (o mesmo de "Monstros S.A") e escrito por Bob Peterson (de "Procurando Nemo"), ainda contou com a ajuda de Tom McCarthy, chamado para amadurecer a história. Tom, que dirigiu "O Agente da Estação", escreveu dois tratamentos para o roteiro e contribuiu criando o personagem Russel, o indesejável escoteiro que acompanha Carl pela viagem no contiente sulamericano.
"Up - Altas Aventuras" é um filme sobre pessoas sem medo de realizar os seus sonhos.
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admite-se uma namorada

| 11 de jun. de 2009
admite-se uma namorada.
não exijo preferências por loiras ou morenas ou gordas ou magras. embora a beleza seja uma coisa fundamental, como já diria aquele velho poeta. não espero que tenha sido a garota mais popular da escola ou que seja rica. nem que saiba cozinhar, lavar, passar roupa. não preciso de amélias. admite-se uma namorada que aprecie os meus defeitos. que goste de música. que respeito os livros. que não tenha vergonha de ir ao teatro. que vá ao cinema e assista filmes de arte. admite-se uma namorada que fuja da cafonice e do clichê. não exijo que conheça knut hamsun ou dave matthews, e que entenda sobre o processo de redemocratização do haiti e torça pelo fluminense. exijo que seja simples, sem deixar de ser complexa. que seja pura, sem perder a malícia. que converse sobre coisas interessantes durantes horas, e faça barulho com o seu silêncio.
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MEMÓRIAS DE INFÂNCIA

| 2 de jun. de 2009
na década de cinquenta, quando minha avó ainda era uma menina de dezessete anos e descia as ladeiras da cidade de são francisco do sul com seu vestido de renda, conheceu um menino pobre, magro, com as pernas meio tortas, e por esse menino se apaixonou. a mãe de minha avó era uma senhora esquálida, que parecia uma bruxa saída de um conto de hans christian anderson, e proibiu aquele namorico de sua filha com o herdeiro de um pescador. imagino que minha avó tenha chorado algumas lágrimas bem salgadas quando descobriu estar grávida do meu pai. sua mãe lhe fazia lobby para um rapaz de família tradicional da cidade, e assim que descobriu a gravidez indesejada de sua filha, amaldiçoou os frutos daquela relação até a terceira geração.
muito tempo depois disso, eu sei que o meu pai lamenta profundamente o fato de ter engravidado minha mãe quando ainda era um estudante de direito na universidade federal de santa catarina. esse foi um fator determinante para que ele largasse os estudos, se mudasse pro interior do estado com uma menina grávida do lado e iniciasse um trabalho de contínuo em uma fábrica de fundição. o meu pai jamais se tornaria um juíz de direito, e talvez esse tenha sido o motivo pelo qual meu irmão mais velho não tenha chorado na hora do parto.
ainda criança, peguei o meu pai na cama com uma vizinha loira, casada com um de seus melhores amigos. certamente foi uma das cenas mais chocantes da minha vida - ver aquela mulher pulando o muro que dividia as nossas casas, de baby doll, fugindo da chegada de minha mãe e pedindo pra eu não contar nada pra ninguém. depois disso, e durante muito tempo, o nome dela era impronunciável em nossa casa. mesmo quando, por acaso, era citado em alguma reportagem na televisão ou em algum filme ou algo do tipo, a gente ficava vermelho de vergonha. quando o meu pai me batia, eu sempre imaginava ele transando com aquela mulher estranha e beijando aquela boca, na mesma cama em que dormia com a minha mãe.
meu pai costumava caminhar ao meu lado a caminho do bar mais próximo de casa. quando chegava, comprimentava o dono do bar - um senhor gordo, que usava uma camisa regata com um pano de chão por cima de um dos ombros -, tomava um aperitivo, pedia cinco, seis cervejas, e voltava pra casa. naquele tempo ele me chamava de 'peteleco' e acreditava que, de alguma maneira, aquilo fosse nos aproximar.