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a (nem sempre) prolixa arte de escrever

| 22 de out. de 2009
Assim, a primeira regra do bom estilo, uma regra que praticamente se basta sozinha, é que se tenha algo a dizer. Ah, sim, com isso se chega longe! Mas a negligência com relação a essa regra é um traço característico e fundamental dos filósofos e, em geral de todos os escritores teóricos na Alemanha, especialmente desde Fichte. Em tudo o que eles escrevem, percebe-se que pretendem parecer que têm algo a dizer, quando não têm coisa alguma. Essa maneira de escrever, introduzida pelos pseudofilósofos das universidades, pode ser observada facilmente e mesmo entre as mais destacadas celebridades literárias desta época. Ela é a mãe tanto do estilo forçado, vago, ambíguo e mesmo plurívoco, quanto do estilo prolixo, pesado, o style empesé, e também da torrente inútil de palavras e, finalmente, do ocultamento da mais deplorável pobreza de pensamento sob uma tagarelice infatigável, ensurdecedora, atordoante. No caso de tais estilos, uma pessoa pode ler por horas a fio sem capturar nenhum pensamento preciso e claramente exposto. Quem tem algo digno de menção a ser dito não precisa ocultá-lo em expressões cheias de preciosismos, em frases difíceis e alusões obscuras, mas pode se expressar de modo simples, claro e ingênuo, estando certo com isso de que suas palavras não perderão o efeito. Assim, quem precisa usar os artifícios mencionados antes revela sua pobreza de pensamentos, de espírito e de conhecimento.
Enquanto isso, a resignação alemã se acostumou a ler amontoados de palavras daquele tipo, página por página, sem saber direito o que o escritor realmente quer dizer. As pessoas acreditam que as coisas devem ser assim mesmo e não chegam a descobrir que ele escreve apenas por escrever. Em contrapartida, um bom escritor, rico em pensamentos, conquista de imediato entre seus leitores o crédito de ser alguém que, a sério, realmente tem algo a dizer quando se manifesta; é essa atitude que dá ao leitor esclarecido a paciência de segui-lo com atenção. Justamente porque tem algo a dizer, tal escritor se expressará sempre da maneira mais simples e precisa, uma vez que pretende despertar no leitor exatamente o pensamento que tem naquele momento, e nenhum outro.
Uma outra característica deles é a de evitarem, quando possível, todas as expressões precisas, de modo que possam sempre tirar a corda do pescoço, quando necessário. Assim, eles escolhem, em todos os casos, a expressão mais abstrata, enquanto as pessoas de talento escolhem a mais concreta porque ela expôe o assunto à claridade, que constitui a fonte de toda a evidência.
Pessoas de talento, por sua vez, dirigem-se realmente a nós em seus escritos, e por isso são capazes de nos animar e entreter: apenas elas combinam as palavras com plena consciência, com critério e intenção. Desse modo, sua exposição estabelece, com a que foi descrita antes, uma relação semelhante à de um quadro pintado com um que foi impresso com um molde. No caso, há uma intenção especial em cada palavra, assim como em cada pincelada; no outro, em compensação, tudo foi feito mecanicamente.
Quem escreve de modo afetado é como alguém que se enfeita para não ser confundido e misturado com o povo; um perigo que o gentleman não corre, mesmo usando o pior traje. Assim como se reconhece o plebeu por uma certa pompa no modo de se vestir e pelo jeito embonecado, a mente trivial é reconhecida pelo seu estilo afetado.
Quando um pensamento correto desponta numa cabeça, ele se esforça em direção à claridade e logo a alcança, para em seguida o que foi claramente pensado encontrar com facilidade uma expressão adequada. O que uma pessoa é capaz de pensar sempre se deixa expressar em palavras claras e compreensíveis, sem abiguidade. Aqueles que elaboram discursos difíceis, obscuros, dubitativos e ambíguos com certeza não sabem direito o que querem dizer, mas têm uma consciência nebulosa do assunto e lutam para chegar a formular um pensamento. No entanto, com frequência, essas pessoas querem esconder de si mesmas e dos outros o fato de que na verdade não têm nada a dizer.

- Arthur Schopenhauer
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vampiros emocionais

| 8 de out. de 2009
os vampiros estão de tocaia, mesmo agora, enquanto conversamos. nas ruas em plena luz do sol, sob o tremular azulado das lâmpadas fluorescentes do escritório e talvez até sob as luzes acolhedoras do lar. estão por toda parte, disfarçados em gente comum, até que suas necessidades internas os transformem em feras predadoras.
não é o nosso sangue que eles sugam; é a nossa energia emocional.
não se engane, não se trata dos aborrecimentos cotidianos que fervilham à sua volta como insetos ao redor da luz da varanda, facilmente enxotados com declarações afirmativas e firmes. são as autênticas criaturas das trevas. além de ter o poder de importunar, também nos hipnotizam para nos anestesiar a consciência com falsas promessas até sucumbirmos a seu encanto. os vampiros emocionais nos atraem e depois nos sugam.
a princípio, os vampiros emocionais parecem melhores que as pessoas comuns. são tão inteligentes, talentosos e encantadores como um conde romeno. gostamos deles, confiamos neles, esperamos mais deles do que das outras pessoas. esperamos mais, recebemos menos e, no fim das contas, saímos derrotados. nós os convidamos a entrar na nossa vida e quase sempre só percebemos o erro quando eles desaparecem na noite, deixando-nos exauridos, com dor na nuca, carteira vazia ou talvez coração partido. mesmo assim nos perguntamos: serão eles ou serei eu?
são eles. os vampiros emocionais.
você os conhece? já experimentou seu poder sombrio em sua vida?
já conheceu pessoas que pareciam maravilhosas à primeira vista, mas depois se revelaram o posto? já se deixou cegar por explosões brilhantes de charme que se acendiam e se apagavam como cartazes baratos de néon? já ouviu promessas sussurradas na calada da noite que foram esquecidas antes do amanhecer?
alguém já o sugou completamente?
os vampiros emocionais não se levantam de túmulos à noite. moram ali na esquina. são os vizinhos tão acolhedores e cordiais na sua presença, mas que espalham boatos pelas suas costas. os vampiros emocionais estão no time de vôlei; são os astros do time até que algo se volte contra eles. quando isso acontece, têm acessos de raiva que deixariam envergonhada uma criança de três anos. os vampiros emocionais trabalham nos escritórios; ocupam cargos altos e bem-remunerados, envolvem-se tanto em política e em intrigas mesquinhas que não têm tempo para trabalhar. os vampiros emocionais podem até dirigir uma empresa; são os chefes que fazem palestras sobre outorga de poderes e incentivos positivos, depois ameaçam demitir funcionários pelos mínimos erros.
os vampiros emocionais podem estar à espreita em sua própria família. pense no seu cunhado, o gênio que não pára em emprego algum. e aquela tia quase invisível que cuida de todo mundo, até que doenças esquisitas e debilitantes o obrigam a cuidar dela? será que precisamos falar daqueles parentes tão carinhosos e irritantes que estão sempre pedindo que você faça o que lhe agrada, na esperança de que você agrade a eles?
o vampiro pode compartilhar sua cama, ora como um parceiro amoroso, ora como um estranho frio e distante.

- do livro "vampiros emocionais - como lidar com pessoas que sugam você" de albert j. bernstein, ph.d.
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O Arquivo

| 6 de out. de 2009
No fim de um ano de trabalho, joão obteve uma redução de quinze por cento em seus vencimentos.
joão era moço. Aquele era seu primeiro emprego. Não se mostrou orgulhoso, embora tenha sido um dos poucos contemplados. Afinal, esforçara-se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a sorrir, a agradecer ao chefe.
No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzido, podia pagar um aluguel menor.
Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição.
Dois anos mais tarde, veio outra recompensa.
O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte salarial.
Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: dezessete por cento.
Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança.
Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos. Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou.
Prosseguiu a luta.
Porém, nos quatro anos seguintes, nada de extraordinário aconteceu.
joão preocupava-se. Perdia o sono, envenenado em intrigas de colegas invejosos. Odiava-os. Torturava-se com a incompreensão do chefe. Mas não desistia. Passou a trabalhar mais duas horas diárias.
Uma tarde, quase ao fim do expediente, foi chamado ao escritório principal.
Respirou descompassado.
— Seu joão. Nossa firma tem uma grande dívida com o senhor.
joão baixou a cabeça em sinal de modéstia.
— Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso reconhecimento.
O coração parava.
— Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado, resolvemos, na reunião de ontem, rebaixá-lo de posto.
A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam.
— De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com menos cinco dias de férias. Contente?
Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou ao trabalho.
Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pacífico, no silêncio do subúrbio.
Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço reduzira-se a um sanduíche. Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não havia necessidade de muita roupa. Eliminara certas despesas inúteis, lavadeira, pensão.
Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada. Esfarelava-se num trem e dois ônibus para garantir meia hora de antecedência. A vida foi passando, com novos prêmios.
Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O organismo acomodara-se à fome. Uma vez ou outra, saboreava alguma raiz das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não tinha mais problemas de moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes, cobria-se com os farrapos de um lençol adquirido há muito tempo.
O corpo era um monte de rugas sorridentes.
Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho. Quando completou quarenta anos de serviço, foi convocado pela chefia:
— Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá mais férias. E sua função, a partir de amanhã, será a de limpador de nossos sanitários.
O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca tremeu, mas nada disse. Sentia-se cansado. Enfim, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir:
— Agradeço tudo que fizeram em meu benefício. Mas desejo requerer minha aposentadoria.
O chefe não compreendeu:
— Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê? Dentro de alguns meses terá de pagar a taxa inicial para permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de convívio? O senhor ainda está forte. Que acha?
A emoção impediu qualquer resposta.
joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu, ficou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-se, planas, compactas. Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento.
João transformou-se num arquivo de metal.

- Victor Guiudice
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Guts

| 24 de set. de 2009
Inspire.
Inspire o máximo de ar que conseguir. Essa estória deve durar aproximadamente o tempo que você consegue segurar sua respiração, e um pouco mais. Então escute o mais rápido que puder.
Um amigo meu aos 13 anos ouviu falar sobre “fio-terra”. Isso é quando alguém enfia um consolo na bunda. Estimule a próstata o suficiente, e os rumores dizem que você pode ter orgasmos explosivos sem usar as mãos. Nessa idade, esse amigo é um pequeno maníaco sexual. Ele está sempre buscando uma melhor forma de gozar. Ele sai para comprar uma cenoura e lubrificante. Para conduzir uma pesquisa particular. Ele então imagina como seria a cena no caixa do supermercado, a solitária cenoura e o lubrificante percorrendo pela esteira o caminho até o atendente no caixa. Todos os clientes esperando na fila, observando. Todos vendo a grande noite que ele preparou.
Então, esse amigo compra leite, ovos, açúcar e uma cenoura, todos os ingredientes para um bolo de cenoura. E vaselina.
Como se ele fosse para casa enfiar um bolo de cenoura no rabo.
Em casa, ele corta a ponta da cenoura com um alicate. Ele a lubrifica e desce seu traseiro por ela. Então, nada. Nenhum orgasmo. Nada acontece, exceto pela dor.
Então, esse garoto, a mãe dele grita dizendo que é a hora da janta. Ela diz para descer, naquele momento.
Ele remove a cenoura e coloca a coisa pegajosa e imunda no meio das roupas sujas debaixo da cama.
Depois do jantar, ele procura pela cenoura, e não está mais lá. Todas as suas roupas sujas, enquanto ele jantava, foram recolhidas por sua mãe para lavá-las. Não havia como ela não encontrar a cenoura, cuidadosamente esculpida com uma faca da cozinha, ainda lustrosa de lubrificante e fedorenta.
Esse amigo meu, ele espera por meses na surdina, esperando que seus pais o confrontem. E eles nunca fazem isso. Nunca. Mesmo agora que ele cresceu, aquela cenoura invisível aparece em toda ceia de Natal, em toda festa de aniversário. Em toda caça de ovos de páscoa com seus filhos, os netos de seus pais, aquela cenoura fantasma paira por sobre todos eles. Isso é algo vergonhoso demais para dar um nome.
As pessoas na França possuem uma expressão: “sagacidade de escadas.” Em francês: esprit de l’escalier. Representa aquele momento em que você encontra a resposta, mas é tarde demais. Digamos que você está numa festa e alguém o insulta. Você precisa dizer algo. Então sob pressão, com todos olhando, você diz algo estúpido. Mas no momento em que sai da festa….
Enquanto você desce as escadas, então - mágica. Você pensa na coisa mais perfeita que poderia ter dito. A réplica mais avassaladora.
Esse é o espírito da escada.
O problema é que até mesmo os franceses não possuem uma expressão para as coisas estúpidas que você diz sob pressão. Essas coisas estúpidas e desesperadas que você pensa ou faz.
Alguns atos são baixos demais para receberem um nome. Baixos demais para serem discutidos.
Agora que me recordo, os especialistas em psicologia dos jovens, os conselheiros escolares, dizem que a maioria dos casos de suicídio adolescente eram garotos se estrangulando enquanto se masturbavam. Seus pais o encontravam, uma toalha enrolada em volta do pescoço, a toalha amarrada no suporte de cabides do armário, o garoto morto. Esperma por toda a parte. É claro que os pais limpavam tudo. Colocavam calças no garoto. Faziam parecer… melhor. Ao menos, intencional. Um caso comum de triste suicídio adolescente.
Outro amigo meu, um garoto da escola, seu irmão mais velho na Marinha dizia como os caras do Oriente Médio se masturbavam de forma diferente do que fazemos por aqui. Esse irmão tinha desembarcado num desses países cheios de camelos, na qual o mercado público vendia o que pareciam abridores de carta chiques. Cada uma dessas coisas é apenas um fino cabo de latão ou prata polida, do comprimento aproximado de sua mão, com uma grande ponta numa das extremidades, ou uma esfera de metal ou uma dessas empunhaduras como as de espadas. Esse irmão da Marinha dizia que os árabes ficavam de pau duro e inseriam esse cabo de metal dentro e por toda a extremidade de seus paus. Eles então batiam punheta com o cabo dentro, e isso os faziam gozar melhor. De forma mais intensa.
Esse irmão mais velho viajava pelo mundo, mandando frases em francês. Frases em russo. Dicas de punhetagem.
Depois disso, o irmão mais novo, um dia ele não aparece na escola. Naquela noite, ele liga pedindo para eu pegar seus deveres de casa pelas próximas semanas. Porque ele está no hospital.
Ele tem que compartilhar um quarto com velhos que estiveram operando as entranhas. Ele diz que todos compartilham a mesma televisão. Que a única coisa para dar privacidade é uma cortina. Seus pais não o vem visitar. No telefone, ele diz como os pais dele queriam matar o irmão mais velho da Marinha.
Pelo telefone, o garoto diz que, no dia anterior, ele estava meio chapado. Em casa, no seu quarto, ele deitou-se na cama. Ele estava acendendo uma vela e folheando algumas revistas pornográficas antigas, preparando-se para bater uma. Isso foi depois que ele recebeu as notícias de seu irmão marinheiro. Aquela dica de como os árabes se masturbam. O garoto olha ao redor procurando por algo que possa servir. Uma caneta é grande demais. Um lápis, grande demais e áspero. Mas escorrendo pelo canto da vela havia um fino filete de vela derretida que poderia servir. Com as pontas dos dedos, o garoto descola o filete da vela. Ele o enrola na palma de suas mãos. Longo, e liso, e fino.
Chapado e com tesão, ele enfia lá dentro, mais e mais fundo por dentro do canal urinário de seu pau. Com uma boa parte da cera ainda para fora, ele começa o trabalho.
Até mesmo nesse momento ele reconhece que esses árabes eram caras muito espertos. Eles reinventaram totalmente a punheta. Deitado totalmente na cama, as coisas estão ficando tão boas que o garoto nem observa a filete de cera. Ele está quase gozando quando percebe que a cera não está mais lá.
O fino filete de cera entrou. Bem lá no fundo. Tão fundo que ele nem consegue sentir a cera dentro de seu pau.
Das escadas, sua mãe grita dizendo que é a hora da janta. Ela diz para ele descer naquele momento. O garoto da cenoura e o garoto da cera eram pessoas diferentes, mas viviam basicamente a mesma vida.
Depois do jantar, as entranhas do garoto começam a doer. É cera, então ele imagina que ela vá derreter dentro dele e ele poderá mijar para fora. Agora suas costas doem. Seus rins. Ele não consegue ficar ereto corretamente.
O garoto falando pelo telefone do seu quarto de hospital, no fundo pode-se ouvir campainhas, pessoas gritando. Game shows.
Os raios-X mostram a verdade, algo longo e fino, dobrado dentro de sua bexiga. Esse longo e fino V dentro dele está coletando todos os minerais no seu mijo. Está ficando maior e mais expesso, coletando cristais de cálcio, está batendo lá dentro, rasgando a frágil parede interna de sua bexiga, bloqueando a urina. Seus rins estão cheios. O pouco que sai de seu pau é vermelho de sangue.
O garoto e seus pais, a família inteira, olhando aquela chapa de raio-X com o médico e as enfermeiras ali, um grande V de cera brilhando na chapa para todos verem, ele deve falar a verdade. Sobre o jeito que os árabes se masturbam. Sobre o que o seu irmãos mais velho da Marinha escreveu.
No telefone, nesse momento, ele começa a chorar.
Eles pagam pela operação na bexiga com o dinheiro da poupança para sua faculdade. Um erro estúpido, e agora ele nunca mais será um advogado.
Enfiando coisas dentro de você. Enfiando-se dentro de coisas. Uma vela no seu pau ou seu pescoço num nó, sabíamos que não poderia acabar em problemas.
O que me fez ter problemas, eu chamava de Pesca Submarina. Isso era bater punheta embaixo d’água, sentando no fundo da piscina dos meus pais. Pegando fôlego, eu afundava até o fundo da piscina e tirava meu calção. Eu sentava no fundo por dois, três, quatro minutos.
Só de bater punheta eu tinha conseguido uma enorme capacidade pulmonar. Se eu tivesse a casa só para mim, eu faria isso a tarde toda. Depois que eu gozava, meu esperma ficava boiando em grandes e gordas gotas.
Depois disso eram mais alguns mergulhos, para apanhar todas. Para pegar todas e colocá-las em uma toalha. Por isso chamava de Pesca Submarina. Mesmo com o cloro, havia a minha irmã para se preocupar. Ou, Cristo, minha mãe.
Esse era meu maior medo: minha irmã adolescente e virgem, pensando que estava ficando gorda e dando a luz a um bebê retardado de duas cabeças. As duas parecendo-se comigo. Eu, o pai e o tio. No fim, são as coisas nais quais você não se preocupa que te pegam.
A melhor parte da Pesca Submarina era o duto da bomba do filtro. A melhor parte era ficar pelado e sentar nela.
Como os franceses dizem, Quem não gosta de ter seu cú chupado? Mesmo assim, num minuto você é só um garoto batendo uma, e no outro nunca mais será um advogado.
Num minuto eu estou no fundo da piscina e o céu é um azul claro e ondulado, aparecendo através de dois metros e meio de água sobre minha cabeça. Silêncio total exceto pelas batidas do coração que escuto em meu ouvido. Meu calção amarelo-listrado preso em volta do meu pescoço por segurança, só em caso de algum amigo, um vizinho, alguém que apareça e pergunte porque faltei aos treinos de futebol. O constante chupar da saída de água me envolve enquanto delicio minha bunda magra e branquela naquela sensação.
Num momento eu tenho ar o suficiente e meu pau está na minha mão. Meus pais estão no trabalho e minha irmão no balé. Ninguém estará em casa por horas.
Minhas mãos começam a punhetar, e eu paro. Eu subo para pegar mais ar. Afundo e sento no fundo.
Faço isso de novo, e de novo.
Deve ser por isso que garotas querem sentar na sua cara. A sucção é como dar uma cagada que nunca acaba. Meu pau duro e meu cú sendo chupado, eu não preciso de mais ar. O bater do meu coração nos ouvidos, eu fico no fundo até as brilhantes estrelas de luz começarem a surgir nos meus olhos. Minhas pernas esticadas, a batata das pernas esfregando-se contra o fundo. Meus dedos do pé ficando azul, meus dedos ficando enrugados por estar tanto tempo na água.
E então acontece. As gotas gordas de gozo aparecem. É nesse momento que preciso de mais ar. Mas quando tento sair do fundo, não consigo. Não consigo colocar meus pés abaixo de mim. Minha bunda está presa.
Médicos de plantão de emergência podem confirmar que todo ano cerca de 150 pessoas ficam presas dessa forma, sugadas pelo duto do filtro de piscina. Fique com o cabelo preso, ou o traseiro, e você vai se afogar. Todo o ano, muita gente fica. A maioria na Flórida.
As pessoas simplesmente não falam sobre isso. Nem mesmo os franceses falam sobre tudo. Colocando um joelho no fundo, colocando um pé abaixo de mim, eu empurro contra o fundo. Estou saindo, não mais sentado no fundo da piscina, mas não estou chegando para fora da água também.
Ainda nadando, mexendo meus dois braços, eu devo estar na metade do caminho para a superfície mas não estou indo mais longe que isso. O bater do meu coração no meu ouvido fica mais alto e mais forte.
As brilhantes fagulhas de luz passam pelos meus olhos, e eu olho para trás… mas não faz sentido. Uma corda espessa, algum tipo de cobra, branco-azulada e cheia de veias, saiu do duto da piscina e está segurando minha bunda. Algumas das veias estão sangrando, sangue vermelho que aparenta ser preto debaixo da água, que sai por pequenos cortes na pálida pele da cobra. O sangue começa a sumir na água, e dentro da pele fina e branco-azulada da cobra é possível ver pedaços de alguma refeição semi-digerida.
Só há uma explicação. Algum horrível monstro marinho, uma serpente do mar, algo que nunca viu a luz do dia, estava se escondendo no fundo escuro do duto da piscina, só esperando para me comer.
Então… eu chuto a coisa, chuto a pele enrugada e escorregadia cheia de veias, e parece que mais está saindo do duto. Deve ser do tamanho da minha perna nesse momento, mas ainda segurando firme no meu cú. Com outro chute, estou a centímetros de conseguir respirar. Ainda sentido a cobra presa no meu traseiro, estou bem próximo de escapar.
Dentro da cobra, é possível ver milho e amendoins. E dá pra ver uma brilhante esfera laranja. É um daqueles tipos de vitamina que meu pai me força a tomar, para poder ganhar massa. Para conseguir a bolsa como jogador de futebol. Com ferro e ácidos graxos Ômega 3.
Ver essa pílula foi o que me salvou a vida.
Não é uma cobra. É meu intestino grosso e meu cólon sendo puxados para fora de mim. O que os médicos chamam de prolapso de reto. São minhas entranhas sendo sugadas pelo duto.
Os médicos de plantão de emergência podem confirmar que uma bomba de piscina pode puxar 300 litros de água por minuto. Isso corresponde a 180 quilos de pressão. O grande problema é que somos todos interconectados por dentro. Seu traseiro é apenas o término da sua boca. Se eu deixasse, a bomba continuaria a puxar minhas entranhas até que chegasse na minha língua. Imagine dar uma cagada de 180 quilos e você vai perceber como isso pode acontecer.
O que eu posso dizer é que suas entranhas não sentem tanta dor. Não da forma que sua pele sente dor. As coisas que você digere, os médicos chamam de matéria fecal. No meio disso tudo está o suco gástrico, com pedaços de milho, amendoins e ervilhas.
Essa sopa de sangue, milho, merda, esperma e amendoim flutua ao meu redor. Mesmo com minhas entranhas saindo pelo meu traseiro, eu tentando segurar o que restou, mesmo assim, minha vontade é de colocar meu calção de alguma forma.
Deus proíba que meus pais vejam meu pau.
Com uma mão seguro a saída do meu rabo, com a outra mão puxo o calção amarelo-listrado do meu pescoço. Mesmo assim, é impossível puxar de volta.
Se você quer sentir como seria tocar seus intestinos, compre um camisinha feita com intestino de carneiro. Pegue uma e desenrole. Encha de manteiga de amendoim. Lubrifique e coloque debaixo d’água. Então tente rasgá-la. Tente partir em duas. É firme e ao mesmo tempo macia. É tão escorregadia que não dá para segurar.
Uma camisinha dessas é feita do bom e velho intestino.
Você então vê contra o que eu lutava.
Se eu largo, sai tudo.
Se eu nado para a superfície, sai tudo.
Se eu não nadar, me afogo.
É escolher entre morrer agora, e morrer em um minuto.
O que meus pais vão encontrar depois do trabalho é um feto grande e pelado, todo curvado. Mergulhado na árgua turva da piscina de casa. Preso ao fundo por uma larga corda de veias e entranhas retorcidas. O oposto do garoto que se estrangula enquanto bate uma. Esse é o bebê que trouxeram para casa do hospital há 13 anos. Esse é o garoto que esperavam conseguir uma bolsa de jogador de futebol e eventualmente um mestrado. Que cuidaria deles quando estivessem velhinhos. Seus sonhos e esperanças. Flutuando aqui, pelado e morto. Em volta dele, gotas gordas de esperma.
Ou isso, ou meus pais me encontrariam enrolado numa toalha encharcada de sangue, morto entre a piscina e o telefone da cozinha, os restos destroçados das minhas entranhas para fora do meu calção amarelo-listrado.
Algo sobre o qual nem os franceses falam.
Aquele irmão mais velho na Marinha, ele ensinou uma outra expressão bacana. Uma expressão russa. Do jeito que nós falamos “Preciso disso como preciso de um buraco na cabeça…,” os russos dizem, “Preciso disso como preciso de dentes no meu cú……
Mne eto nado kak zuby v zadnitse.
Essas histórias de como animais presos em armadilhas roem a própria perna fora, bem, qualquer coiote poderá te confirmar que algumas mordidas são melhores que morrer.
Droga… mesmo se você for russo, um dia vai querer esses dentes.
Senão, o que você pode fazer é se curvar todo. Você coloca um cotovelo por baixo do joelho e puxa essa perna para o seu rosto. Você morde e rói seu próprio cú. Se você ficar sem ar você consegue roer qualquer coisa para poder respirar de novo.
Não é algo que seja bom contar a uma garota no primeiro encontro. Não se você espera por um beijinho de despedida. Se eu contasse como é o gosto, vocês não comeriam mais frutos do mar.
É difícil dizer o que enojaria mais meus pais: como entrei nessa situação, ou como me salvei. Depois do hospital, minha mãe dizia, “Você não sabia o que estava fazendo, querido. Você estava em choque.” E ela teve que aprender a cozinhar ovos pochê.
Todas aquelas pessoas enojadas ou sentindo pena de mim….
Precisava disso como precisaria de dentes no cú.
Hoje em dia, as pessoas sempre me dizem que eu sou magrinho demais. As pessoas em jantares ficam quietas ou bravas quando não como o cozido que fizeram. Cozidos podem me matar. Presuntadas. Qualquer coisa que fique mais que algumas horas dentro de mim, sai ainda como comida. Feijões caseiros ou atum, eu levanto e encontro aquilo intacto na privada.
Depois que você passa por uma lavagem estomacal super-radical como essa, você não digere carne tão bem. A maioria das pessoas tem um metro e meio de intestino grosso. Eu tenho sorte de ainda ter meus quinze centímetros. Então nunca consegui minha bolsa de jogador de futebol. Nunca consegui meu mestrado. Meus dois amigos, o da cera e o da cenoura, eles cresceram, ficaram grandes, mas eu nunca pesei mais do que pesava aos 13 anos.
Outro problema foi que meus pais pagaram muita grana naquela piscina. No fim meu pai teve que falar para o cara da limpeza da piscina que era um cachorro. O cachorro da família caiu e se afogou. O corpo sugado pelo duto. Mesmo depois que o cara da limpeza abriu o filtro e removeu um tubo pegajoso, um pedaço molhado de intestino com uma grande vitamina laranja dentro, mesmo assim meu pai dizia, “Aquela porra daquele cachorro era maluco.”
Mesmo do meu quarto no segundo andar, podia ouvir meu pai falar, “Não dava para deixar aquele cachorro sozinho por um segundo….”
E então a menstruação da minha irmã atrasou.
Mesmo depois que trocaram a água da piscina, depois que vendemos a casa e mudamos para outro estado, depois do aborto da minha irmã, mesmo depois de tudo isso meus pais nunca mencionaram mais isso novamente.
Nunca.
Essa é a nossa cenoura invisível.
Você. Agora você pode respirar.
Eu ainda não.

- Chuck Palahniuk
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pense bem antes de usar!

| 21 de set. de 2009

domingo (20/09) estreou a minha coluna no blog bicho de se7e cabeças. a idéia do blog surgiu do mineiro marcos vinícius, responsável pelo selo terceira margem, da editora multifoco, e levará sete autores a publicar sobre um determinado assunto cada dia da semana. eu estarei presente aos domingos na coluna 'chá de minhocas'. a idéia é que ao final de um ano o melhor do blog se transforme num livro.

a comunidade do orkut prazeres amélie poulain organizou um blog e já alcançou a marca de mil visitas em dezoito dias, com cinquenta seguidores e mais de cem comentários nos quarenta e cinco posts publicados até o momento. eu faço parte dessa história e gostaria de parabenizar a todos que colaboraram para esse resultado.
adicione a comunidade no seu perfil, acompanhe o blog e siga o nosso twitter. e se ainda não viu 'o fabuloso destino de amélie poulian', não perca mais tempo e vá correndo à locadora mais perto de sua casa. aproveite cada momento de prazer, por menor que seja, e se torne um amelístico você também! (:
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nocaute

| 10 de set. de 2009
quando você é nocauteado, a sensação não é ruim. na verdade é uma sensação boa. você não sente dor, só uma forte embriaguez. você não vê anjos nem estrelas e se sente numa névoa agradável. depois que Liston me acertou em Nevada, senti, por uns quatro ou cinco segundos, que na verdade todos no estádio estavam junto comigo no ringue, rodeavam-me como uma família. quando você é nocauteado, sente carinho por todos. você se sente amável para com todos. e tem vontade de se levantar e beijar todo mundo - homens e mulheres - e depois da luta com Liston alguém me disse que, do ringue, eu mandei um beijo para a multidão. eu não me lembro disso. mas acho que é verdade porque é assim que a gente se sente durante quatro ou cinco segundos depois de um nocaute.
mas aí esse sentimento agradável acaba. você se dá conta de onde está, do que está fazendo ali e do que acaba de acontecer com você. e o que se segue é uma dor, uma sensação nebulosa - não uma dor física - uma dor combinada com raiva; é uma dor do tipo o-que-é-que-as-pessoas-vão-pensar; uma dor de quem sente vergonha pela própria incompetência... e a única coisa que a gente quer é um alçapão no meio do ringue - um alçapão por onde pudesse cair e ir parar diretamente no vestiário, para não ter de sair do ringue e encarar aquelas pessoas. o pior de perder é ter que sair andando do ringue e encarar aquelas pessoas.

- Floyd Peterson
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uma prece para arturo bandini

| 9 de set. de 2009
pus-me de joelhos, fechei os olhos e tentei pensar em palavras-de-oração. palavras-de-oração eram um tipo diferente de palavra. nunca percebi até aquele momento. então fiquei sabendo da diferença.
mas não havia palavras. eu precisava rezar, dizer algumas coisas; havia uma prece em mim como um ovo. mas não havia palavras.
certamente não aquelas velhas preces!
não o pai-nosso, com o pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, abençoado seja o vosso reino... eu não acreditava mais naquilo. não havia tal coisa como o céu.
nem o ato de contrição, sobre oh meu deus, estou pesaroso de todo o meu coração por tê-lo ofendido e detesto todos os meus pecados...
havia nietzsche, friedrich nietzsche.
tentei recorrer a ele.
rezei: - oh, caríssimo e adorado friedrich!
nada feito. parecia que eu era um homosseuxal.
tentei de novo.
- oh, caro sr. nietzsche.
pior. porque comecei a pensar nas fotos de nietzsche nos frontispícios de seus livros. elas o faziam parecer um aventureiro da corrida do ouro de 1849, com um bigode desalinhado, e eu detestava os aventureiros de 1849.
além do mais, nietzsche estava morto. estava morto havia muitos anos. era um escritor imortal e suas palavras ardiam através das páginas de seus livros, e fora uma grande influência moderna, mas apesar de tudo aquilo, estava morto e eu sabia disso.
tentei então spengler.
eu disse: - meu querido spengler.
horrível.
eu disse: - olá, como vai, spengler?
horrível.
eu disse: - escuta aqui, spengler!
pior ainda.
eu disse: - bem, oswald, como eu ia dizendo...
brrr. e ainda pior.
depois de ter pensado em tantas pessoas sem nenhum êxito, fiquei cansado de tudo aquilo e ia desistir quando subitamente tive uma boa idéia, e a idéia era que eu não rezasse para deus ou para os outros, mas para mim mesmo.
arturo, meu rapaz. meu querido arturo. parece que você sofre tanto e tão injustamente. mas você é corajoso, arturo. você me lembra de um valoroso guerreiro com as cicatrizes de um milhão de conquistas. que coragem a sua! quanta nobreza! quanta beleza! ah, arturo, como você é realmente bonito! eu o amo tanto, meu arturo, meu grande e poderoso deus. pode chorar agora, arturo. deixe suas lágrimas escorrerem, pois a sua é uma vida de luta, uma batalha amarga até o fim, e ninguém sabe disso a não ser você, ninguém exceto você, um belo guerreiro que combate sozinho, inflexível, um grande herói como o mundo jamais conheceu outro igual.

- o caminho de los angeles, de john fante.
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palmeira, palmeira, palmeira

| 19 de ago. de 2009
Eu tinha vinte anos na época. Que diabo, eu dizia, não se apresse, Bandini. Você tem dez anos para escrever um livro, vá com calma, saia e aprenda sobre a vida, caminhe pelas ruas. Este é o seu problema: sua ignorância da vida. Ora, meu Deus, rapaz, você percebe que nunca teve uma experiência com uma mulher? Oh sim, eu tive, oh sim, tive bastante. Oh não, você não teve. Precisa de uma mulher, precisa de um banho, precisa de um bom empurrão, precisa de dinheiro. Dizem que é um dólar, dois dólares nos lugares chiques, mas na Plaza é um dólar; maravilha, mas você não tem um dólar e outra coisa, seu covarde, ainda que tivesse um dólar não iria, porque teve uma chance, certa vez em Denver, e não foi. Não, seu covarde, teve medo, e ainda tem medo, e está feliz por não ter um dólar.
Com medo de uma mulher! Ah, grande escritor este aqui! Como pode escrever sobre mulheres se nunca teve uma mulher? Ora, seu miserável farsante, seu mentiroso, não admira que não consiga escrever! Não admira que não houvesse uma mulher em O cachorrinho riu. Não admira que não fosse uma história de amor, seu tolo, seu escolar boboca.
Os dias magros de determinação. Aquela era a palavra certa: determinação: Arturo Bandini diante de sua máquina de escrever dois dias inteiros seguidos, determinado a vencer; mas não funcionou, o mais longo esforço de determinação inflexível em sua vida, e nem uma linha produzida, apenas uma palavra escrita repetidamente por toda a página, de alto a baixo, a mesma palavra: palmeira, palmeira, palmeira, uma batalha mortal entre mim e a palmeira, e a palmeira ganhou: eu a vi lá fora oscilando no ar azul, rangendo suavemente no ar azul. A palmeira ganhou depois de dois dias de luta e eu me arrastei janela afora e sentei-me ao pé da árvore. O tempo passou, um momento ou dois, e eu dormi, pequenas formigas marrons fazendo farra nos pêlos das minhas pernas.

- john fante, do livro 'pergunte ao pó'
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como me tornei estúpido

| 15 de ago. de 2009
a construção era larga e alta, colorida, cartazes convidavam a levar a vida com leveza e por uma módica quantia. um grosso M amarelo coroava a fachada do fast-food. um simpático palhaço de plástico o recebeu diante da porta de entrada, a mão levantada, o sorriso espontâneo. antoine entrou e cumprimentou com a cabeça os dois vigilantes, sem dúvida presentes para proteger os clientes dos ataques de poderosas gangues de ladrões de batatas fritas. aproximou-se do balcão:
- bom dia! - disse à moça à sua frente.
- o senhor deseja o quê?
antoine ficou encantado com esta economia relacional: já não era necessário pronunciar uma fórmula de cortesia mecânica. ele, portanto, se absteria dela. era mais franco, era, afinal, mais honesto. ele olhou os cardápios.
- um best of mcdeluxe - decifrou ele no cartaz luminoso estimulado pela promessa de comer por trinta e dois francos um alimento que continha a palavra luxe na sua denominação.
- bebida?
- sim, certamente. perfeito.
- que bebida o senhor quer? - perguntou a moça, excedendo-se um pouco.
- coca-cola, sim, experimentemos coca-cola.
para obedecer aos usos e costumes desta nova realidade, ele teve o reflexo de se abster de todo e qualquer agradecimento. instalou-se a uma mesa bege e começou a comer as batatas fritas enquanto bebia o seu um terço de litro de líquido marrom e borbulhante. com olhar curioso, observou uma batata frita, mergulhou-a numa mistura de ketchup, mostarda e maionese, e mordeu-a. poucos dias antes, antoine não se teria podido impedir de pensar, ao simplesmente comer uma batata frita, na história sangrenta da batata, nos sacrifícios humanos que a civilização asteca fizera em seu nome. que esse simples tubérculo carregasse tantas mortes na sua consciência o teria sem dúvida impedido de apreciá-lo completamente. inábil, cravou os dentes no sanduíche; uma parte dos molhos viscosos caiu no prato. ele teve de reconhecer que gostava disso. não estava seguro de que era bom para a saúde, as embalagens não deviam ser biodegradáveis, mas era simples, pouco caro, muito calórico e de sabor tranquilizante. o gosto lhe dava a impressão de encontrar uma família sem fronteiras, de reunir-se aos milhões de pessoas mastigando no mesmo instante um sanduíche idêntico. como em uma coreografia internacional, ele executava os mesmos passos e gestos de pagar, de transportar o prato, de beber a coca e de ingerir as batatas fritas e o sanduíche que outros bailarinos-consumidores em templos exatamente semelhantes. ele sentiu certo prazer, uma confiança, uma força nova em ser como os outros, com os outros.

- martin page, do livro 'como me tornei estúpido'
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história do mundo para sobreviventes

| 4 de ago. de 2009
desde que aprendi a ler e comecei a escrever histórias o fiz por vaidade - é nisso que o homem se resume, em vaidade e autopiedade -, mas inconscientemente pretendia também dizer aos outros: olhem, eu observei, comparei e cheguei a uma conclusão. escrevendo, enriqueço meu espírito, aprendo sobre mim mesmo e, aprendendo sobre mim mesmo, apreendo vocês e o mundo. claro que eu não pensava nisso desse jeito. tudo estava - como está até hoje - muito confuso.
mais tarde, li os clássicos e os reli muitas vezes, pois queria descobrir o que era o homem e para o que servia. li homero, virgílio, as mil e uma noites, shakespeare, molière, gibbon, que falavam de deuses, heróis, reis e dos homens comuns. li toda a filosifa oriental e ocidental, e, quanto mais lia e escrevia, mais pesava a ignorância sobre os meus ombros. para minha tristeza, descobri que não poderia contar a história do mundo de uma só vez, talvez nem a história de um país, de uma cidade, de uma rua. teria de me contentar escrevendo romances, contos, crônicas, ensaios, teatro, poesia, reportagens, histórias para adultos que continuam crianças porque, quando crianças, se esforçaram demais para atingir a idade adulta. a empresa da história do mundo e do homem estava acima das minhas forças. continuei exercendo meu ofício sem, porém, jamais perder de vista o fato de que escrever bem pode ser importante, mas não é essencial. essencial é a sinceridade. pelo menos tentar ser sincero de todo coração. isso, por si só, já é um estilo.

- fausto wolff
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Como ser um grande escritor

| 2 de ago. de 2009
você tem mais é que comer muitas mulheres
mulheres bonitas
e escrever uns poemas de amor decentes.

não se preocupe com a idade
e/ou novos talentos.

apenas beba mais cerveja
mais e mais cerveja

e vá às corridas ao menos uma vez por
semana

e ganhe
se possível.

aprender a ganhar é difícil -
qualquer porcão pode ser um bom perdedor.

e não se esqueça de Brahms
e de Bach e de sua
birita.

não faça muito exercício.

durma até o meio dia.

evite cartões de crédito
ou pagar qualquer coisa no
dia.

lembre-se que não existe um cu
nesse mundo que vale mais de $50.

e se você tiver a capacidade de amar
primeiro ame a si mesmo
mas sempre tenha em mente a possibilidade de
derrota total
ainda que a razão dessa derrota
pareça certa ou errada -

um gostinho de morte cedo não é necessariamente
uma coisa ruim.

fique longe de igrejas e bares e museus,
como a aranha seja
paciente -
o tempo é a cruz de todo mundo,
mais
solidão
derrota
traição

toda essa sujeira.

fique com a cerveja.

cerveja é sangue contínuo.

um amor contínuo.

pegue uma boa máquina de escrever
e enquanto os passos vêm e vão além de sua janela
bata nela
bata nela com força

como se fosse uma luta de pesos pesados

faça como o touro em sua primeira investida

e lembre-se dos velhões
que lutaram tão bem:
Hemingway, Céline, Dostoiévski, Hamsun.
se você acha que eles não enlouqueceram
em quartos minúsculos
assim como você faz agora

sem mulheres
sem comida
sem esperança

você então não está pronto.

beba mais cerveja.
há tempo.
e se não houver
está tudo bem
também.

- buk
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vida de repórter

| 29 de jun. de 2009
"O primeiro ano foi muito difícil em São Paulo. Eu me transformei num repórter sem sequer saber andar pelas ruas. Cada dia precisava descobrir por conta própria e erro. Morava em pensão, almoçava e mal jantava. Eu odiava chuva porque molhava o sapato, tinha que deixar no forno ou com jornais dentro para secar. Não tinha amigos, não conhecia ninguem. Tímido, introvertido, custava a me ligar a alguem. Mas eu nao queria voltar, voltar seria o fracasso, e eu tinha saido para vencer. Comecei a descobrir a noite, os encantos de ficar pelas ruas, entrar e sair de boates, conviver com os tipos, ver o sol nascer. Passado o primeiro ano estava fixado. Me tornei paulistano". - Ignacio de Loyola Brandão em entrevista a Edla van Steen.
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Palavra Dilacerada

| 15 de mai. de 2009
"Quando me sento para escrever, desde menino até hoje, sou um pricipiante. Vou escrever alguma coisa que não sei o que seja, justamente para ficar sabendo. E que só eu posso me dizer, mais ninguém. Por isso às vezes passo horas, dias à procura da palavra adequada ou do encadeamento de uma frase. Não quero repetir coisas já ditas, inclusive por mim, o que infelizmente às vezes acontece. Para isso tenho de desaprender o que aprendi, me desvencilhar dos preconceitos, me livrar das hipocrisias, das idéias que me foram impostas, de tudo enfim que possa tolher a minha liberdade de expressão.
O que há de mais árduo para mim, ao escrever, é a busca da expressão adequada, são as exigências da propriedade vocabular. Há mil maneiras de dizer uma coisa e só uma é perfeita. Para descobri-la, pode-se levar a vida inteira. Acredito que escrever seja, basicamente, cortar. Cortar o supérfluo. Eliminar repetições, ecos, rimas, cacófatos, redundâncias, lugares-comuns. Mas principalmente o excesso: como disse Unamuno (ou Otto Lara Resende, não me lembro), é preciso não duvidar da inteligência do leitor. Tenho a impressão de que, ou bem este me valoriza muito, ou passaria a encarar a minha literatura com o maior desprezo, se soubesse o que ela me custa: aquilo que ele levou alguns minutos para ler levei dias, meses, às vezes anos para escrever. Tenho dificuldade para redigir até um cartão de agradecimento ou um telegrama de pêsames.
Num levantamento da minha vida literária, vejo nela que não tenho feito outra coisa senão me revelar, me expor, contar aquilo que vivi, testemunhei, pensei, aconteceu e chegou ao meu conhecimento - sempre através da mais torturante maneira de recriar a realidade. Deus sabe, por exemplo, o que me custa, na elaboração de despretencioso esboço autobiográfico como este, não entrar de cabeça pela ficção adentro.
A literatura é também uma paixão. Sendo ato de criação, é um ato de amor. Como ato de amor, teria de ser praticado pelo menos a dois. E o escritor de ficção é um homem sozinho diante do papel em branco, tentando exorcizar seus demônios: o demônio da solidão, o da insatisfação, da procura de alguma coisa que não sabe o que seja. Como quem tenta recuperar uma experiência sonhada, ou vivida numa vida anterior. É um ato que só não se transforma em vício solitário porque através da expressão literária, o escritor busca estabelecer a ligação com o seu semelhante, reintegrando-se na comunidade a que pertence." (Fernando Sabino)

PS: Texto extraído de "O Tabuleiro de Damas", livro que ganhei de presente de Fernando Sabino quando eu ainda era criança e nos escrevíamos por carta.
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Ausência, por Alexandre Magno

| 9 de mai. de 2009
não é o poeta que fala por mim,
ou a poesia,
não fala por mim o gramático ou o crítico
não fala por mim o aparelho sobre a estante
que ecoa
por toda a casa
vazia
não fala por mim o tempo que vivo
a história que me toma pela mão
e me diz
não
não fala por mim a ilusão que houver
não é o solitário que fala por mim,
meu irmão,
e não fala por mim a mulher que acaba de abrir a janela
a espera dele que se embriaga no mais puro esquecimento
e o palhaço prestes a adentrar o picadeiro
ou
o pobre
homem
que atravessa a rua com o jornal
amassado
carregado em tintas
do passado
não fala por mim meu avô que morreu
meu amor que me esqueceu
a alegria que não me quis
não fala por mim o meu povo infeliz
que tão pouco tem para dizer com todas as letras
aquilo que quase não sabe
(mas vive, e como vive)
não é exatamente o inconsolável que fala por mim
nem o irremediável
nem o intratável
não fala por mim o pesadelo da noite
nem o sonho
o psicanalista não fala por mim
nem o psiquiatra com os seus remédios
ou o filósofo com os seus sistemas
e nem mesmo o louco com suas desrazões
não fala por mim tu que mal me conheces,
(porque isso te serviria de algum consolo?)
não fala por mim o pensamento de minha mãe
e de meu pai
que ainda vivos
podem pensar em mim
e no que faço eu
enquanto estou envelhecendo
não fala por mim o erro que cometi
o acerto que por lutas mereci
nem a mais recente ilusão adquirida
nos último deslumbres
da vida

o que fala por mim
é a minha ausência.

(Bêbado, como sempre e com muito orgulho, 03:30 de fria manhã).
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"Fama e Anonimato", por Gay Talese

| 1 de mai. de 2009
Os 10 mil motoristas de ônibus de Nova York enfrentam todo dia o pior trânsito do mundo, ao mesmo tempo que são insultados por velhinhas, enganados por estudantes, fechados por táxis e obstruídos por caminhões; tudo isso enquanto dirigem com uma mão e dão o troco com a outra, entregam bilhetes de baldeação, respondem perguntas, se apressam para pegar o sinal verde, procuram cumprir o horário, evitam os buracos da companhia de eletricidade, pedem aos passageiros que se dirijam para o fundo do ônibus, ouvindo o contínuo tilintar da campanhia de parar e sofrendo de dor nas costas, úlceras, hemorróidas ou um desejo quase incontrolável de enfiar o ônibus num muro de pedra e sair andando. Apesar de todo esse tormento e labuta, o motorista de ônibus de Nova York continua a ser, em grande medida, uma pessoa anônima que passa a vida mostrando apenas metade do rosto no retrovisor. Ele nunca terá o prestígio dos motoristas dos vistosos Greyhound, que usam quepe e disparam feito pilotos, ou dos motoristas de ônibus de subúrbio, que são chamados pelo nome pelos passageiros e ganham presentes no Natal; ou ainda dos motoristas de ônibus de excursão, que levam as pessoas a piquiniques e em geral são convidados a participar; tampouco dos motoristas de ônibus escolares, que eventualmente podem bater num passageiro barulhento e não sofrer nenhuma punição, se o departamento de Educação local não for progressista demais. O motorista de ônibus de Nova York é subestimado. Quando levanta os olhos para o retrovisor, ele ve a multidão dos que pegam quinze centavos e o ignoram. Ele os ve olhando através da janela, olhando para os próprios pés ou tentando ler o jornal de outras pessoas. Ele ve um boy desgrenhado apertando os olhos para ler um envelope pardo, uma senhora gorda segurando a sacola de compras enquanto disputa com um homem o único lugar vazio no ônibus. Ve passageiros de pé, pendurados nas alças como quartos de boi no açougue, e os odeia porque se recusam a sair do lugar quando ele pede pela enésima vez: “Um passinho à frente, por favor, tem bastante lugar no fundo do ônibus.” Os passageiros o ignoram, e continuarão a ignorá-lo até o momento em que ele perturbe a paz deles - ao dar uma freada brusca, ao deixar de responder uma pergunta ou de parar num ponto quando eles tocam o sinal. Dia após dia os motoristas padecem dessa rotina interminável, sabendo o que esperar - e quando - dos 3 milhões de nova-iorquinos que andam de ônibus a cada dia da semana. Às seis da manhã, por exemplo, os motoristas de ônibus pegam telefonistas, enfermeiras, empregradas domésticas, empregados de hotel; depois deles, às sete horas, é a vez dos comerciários, estivadores, ascensoristas e uma infinidade de outros leitores da imprensa marrom que entram no serviço antes das oito. Durante essas horas ouve-se o ruído ininterrupto de moedas tilintando dentro da caixinha de dinheiro, porque esses passageiros das primeiras horas, que também pertencem à classe trabalhadora, procuram facilitar a vida do motorista trazendo a quantia exata da tarifa. O trabalho do motorista de ônibus só começa a ficar desagradável às oito da manhã, quando os estudantes, livros debaixo do braço, começam a entrar, abrindo caminho a cotoveladas. Às nove da manhã, o ônibus fica repleto de secretárias, de recepcionistas e de perfume. Às dez, as secretárias executivas (que trabalharão até as seis) e funcionários de escritórios que ainda não se podem dar ao luxo de andar de táxi, e também as primeiras vagas da maior bête noire dos motoristas de ônibus - as senhoras que vão às compras.”A senhora que vai às compras pode estar com a bolsa tilintando, cheia de moedas, mas me dá uma nota de cinco dólares”, diz Barney O’Leary, que começou como motorneiro em Nova York, há 34 anos, e parece ter acabado de sair de O Delator. “Ou então ela está com uma amiga e diz: ‘Pode deixar, Sophie, eu tenho’. Aí ela põe a luva na boca e começa a procurar moedas - enquanto todo mundo espera do lado de fora, na chuva.” “Quando chego num ponto cheio de gente”, continua ele, “a primeira fila é invariavelmente uma mulher carregada de compras. Quando entra no ônibus ela põe os embrulhos no chão, fica remechendo na bolsa e, depois que lhe dou o troco, me pede um bilhete de baldeação de três centavos. Assim, tenho que arranjar troco pra ela duas vezes! Claro que quando pede o bilhete de transferência ela sussurra, a gente mal pode ouvir, mas quando ela xinga, o ônibus inteiro ouve.”"Essas mulheres são tão más”, acrescenta ele, “que em Nova York os homens não lhe dão mais lugares. Eles sempre se sentam no fundo do ônibus e fingem que não estão vendo as senhoras no pé do corredor. Ou então enfiam a cara em jornais, tiram um pedaço de papel do bolso e fingem estar ocupados em escrever coisas importantíssimas. Muitas vezes os homens ficam tão preocupados em manter o assento que deixam o ponto passar.” Para os motoristas que conseguem aguentar o tranco, o trabalho dá uma certa segurança e um salário médio próximo de 120 dólares por semana, incluíndo as horas extras. Os motoristas percorrem cerca de 97 quilometros durante o expediente de oito horas e arrecadam perto de cem dólares em passagens, e tem de prestar contas de cada centavo. Embora existam homens obstinados como Barney O’Leary, que conseguem passar a vida inteira insistindo para que as pessoas passem para o fundo do ônibus, outros há que dão um basta depois de dez ou quinze anos. Esses motoristas trocam de profissão e passam a trabalhar nas viações como mecânicos ou encarregados de manutenção, por exemplo, e muitos deles ficam muito satisfeitos, e até simpáticos - ali, longe da multidão enlouquecedora e do barulho da campainha, longe dos engarrafamentos e das cartas de reclamação, longe das arrogantes freguesas de lojas que, por quinze centavos, pensam poder controlar o destino de um motorista de ônibus.
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"O Bluebird", por Charles Bukowski

| 26 de abr. de 2009
em meu coração tem um pássaro
que quer sair
mas eu sou mais forte que ele,
eu falo, fica aí dentro, eu não vou
deixar ninguém
te ver.

em meu coração tem um pássaro
que quer sair
mas eu taco uísque nele e respiro
fumaça de cigarro
e as putas e os barmen
e as caixas do mercado
nunca sabem que
ele está
aqui dentro.

em meu coração tem um pássaro
que quer sair
mas eu sou mais forte que ele,
eu falo,
fica na tua, você quer me pôr
em apuros?

em meu coração tem um pássaro
que quer sair
mas eu sou mais esperto, só deixo ele sair
de noite às vezes
quando todos estão dormindo.
eu falo, sei que você está aí,
então não fique
triste.

daí o ponho de volta,
mas ele ainda canta um pouco
aqui dentro, eu não o deixei morrer
totalmente
e a gente dorme junto desse
jeito
com nosso pacto secreto
e é bem capaz de
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, você
chora?