Palavra Dilacerada

| 15 de mai. de 2009
"Quando me sento para escrever, desde menino até hoje, sou um pricipiante. Vou escrever alguma coisa que não sei o que seja, justamente para ficar sabendo. E que só eu posso me dizer, mais ninguém. Por isso às vezes passo horas, dias à procura da palavra adequada ou do encadeamento de uma frase. Não quero repetir coisas já ditas, inclusive por mim, o que infelizmente às vezes acontece. Para isso tenho de desaprender o que aprendi, me desvencilhar dos preconceitos, me livrar das hipocrisias, das idéias que me foram impostas, de tudo enfim que possa tolher a minha liberdade de expressão.
O que há de mais árduo para mim, ao escrever, é a busca da expressão adequada, são as exigências da propriedade vocabular. Há mil maneiras de dizer uma coisa e só uma é perfeita. Para descobri-la, pode-se levar a vida inteira. Acredito que escrever seja, basicamente, cortar. Cortar o supérfluo. Eliminar repetições, ecos, rimas, cacófatos, redundâncias, lugares-comuns. Mas principalmente o excesso: como disse Unamuno (ou Otto Lara Resende, não me lembro), é preciso não duvidar da inteligência do leitor. Tenho a impressão de que, ou bem este me valoriza muito, ou passaria a encarar a minha literatura com o maior desprezo, se soubesse o que ela me custa: aquilo que ele levou alguns minutos para ler levei dias, meses, às vezes anos para escrever. Tenho dificuldade para redigir até um cartão de agradecimento ou um telegrama de pêsames.
Num levantamento da minha vida literária, vejo nela que não tenho feito outra coisa senão me revelar, me expor, contar aquilo que vivi, testemunhei, pensei, aconteceu e chegou ao meu conhecimento - sempre através da mais torturante maneira de recriar a realidade. Deus sabe, por exemplo, o que me custa, na elaboração de despretencioso esboço autobiográfico como este, não entrar de cabeça pela ficção adentro.
A literatura é também uma paixão. Sendo ato de criação, é um ato de amor. Como ato de amor, teria de ser praticado pelo menos a dois. E o escritor de ficção é um homem sozinho diante do papel em branco, tentando exorcizar seus demônios: o demônio da solidão, o da insatisfação, da procura de alguma coisa que não sabe o que seja. Como quem tenta recuperar uma experiência sonhada, ou vivida numa vida anterior. É um ato que só não se transforma em vício solitário porque através da expressão literária, o escritor busca estabelecer a ligação com o seu semelhante, reintegrando-se na comunidade a que pertence." (Fernando Sabino)

PS: Texto extraído de "O Tabuleiro de Damas", livro que ganhei de presente de Fernando Sabino quando eu ainda era criança e nos escrevíamos por carta.

2 comentários:

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