a (nem sempre) prolixa arte de escrever

| 22 de out. de 2009
Assim, a primeira regra do bom estilo, uma regra que praticamente se basta sozinha, é que se tenha algo a dizer. Ah, sim, com isso se chega longe! Mas a negligência com relação a essa regra é um traço característico e fundamental dos filósofos e, em geral de todos os escritores teóricos na Alemanha, especialmente desde Fichte. Em tudo o que eles escrevem, percebe-se que pretendem parecer que têm algo a dizer, quando não têm coisa alguma. Essa maneira de escrever, introduzida pelos pseudofilósofos das universidades, pode ser observada facilmente e mesmo entre as mais destacadas celebridades literárias desta época. Ela é a mãe tanto do estilo forçado, vago, ambíguo e mesmo plurívoco, quanto do estilo prolixo, pesado, o style empesé, e também da torrente inútil de palavras e, finalmente, do ocultamento da mais deplorável pobreza de pensamento sob uma tagarelice infatigável, ensurdecedora, atordoante. No caso de tais estilos, uma pessoa pode ler por horas a fio sem capturar nenhum pensamento preciso e claramente exposto. Quem tem algo digno de menção a ser dito não precisa ocultá-lo em expressões cheias de preciosismos, em frases difíceis e alusões obscuras, mas pode se expressar de modo simples, claro e ingênuo, estando certo com isso de que suas palavras não perderão o efeito. Assim, quem precisa usar os artifícios mencionados antes revela sua pobreza de pensamentos, de espírito e de conhecimento.
Enquanto isso, a resignação alemã se acostumou a ler amontoados de palavras daquele tipo, página por página, sem saber direito o que o escritor realmente quer dizer. As pessoas acreditam que as coisas devem ser assim mesmo e não chegam a descobrir que ele escreve apenas por escrever. Em contrapartida, um bom escritor, rico em pensamentos, conquista de imediato entre seus leitores o crédito de ser alguém que, a sério, realmente tem algo a dizer quando se manifesta; é essa atitude que dá ao leitor esclarecido a paciência de segui-lo com atenção. Justamente porque tem algo a dizer, tal escritor se expressará sempre da maneira mais simples e precisa, uma vez que pretende despertar no leitor exatamente o pensamento que tem naquele momento, e nenhum outro.
Uma outra característica deles é a de evitarem, quando possível, todas as expressões precisas, de modo que possam sempre tirar a corda do pescoço, quando necessário. Assim, eles escolhem, em todos os casos, a expressão mais abstrata, enquanto as pessoas de talento escolhem a mais concreta porque ela expôe o assunto à claridade, que constitui a fonte de toda a evidência.
Pessoas de talento, por sua vez, dirigem-se realmente a nós em seus escritos, e por isso são capazes de nos animar e entreter: apenas elas combinam as palavras com plena consciência, com critério e intenção. Desse modo, sua exposição estabelece, com a que foi descrita antes, uma relação semelhante à de um quadro pintado com um que foi impresso com um molde. No caso, há uma intenção especial em cada palavra, assim como em cada pincelada; no outro, em compensação, tudo foi feito mecanicamente.
Quem escreve de modo afetado é como alguém que se enfeita para não ser confundido e misturado com o povo; um perigo que o gentleman não corre, mesmo usando o pior traje. Assim como se reconhece o plebeu por uma certa pompa no modo de se vestir e pelo jeito embonecado, a mente trivial é reconhecida pelo seu estilo afetado.
Quando um pensamento correto desponta numa cabeça, ele se esforça em direção à claridade e logo a alcança, para em seguida o que foi claramente pensado encontrar com facilidade uma expressão adequada. O que uma pessoa é capaz de pensar sempre se deixa expressar em palavras claras e compreensíveis, sem abiguidade. Aqueles que elaboram discursos difíceis, obscuros, dubitativos e ambíguos com certeza não sabem direito o que querem dizer, mas têm uma consciência nebulosa do assunto e lutam para chegar a formular um pensamento. No entanto, com frequência, essas pessoas querem esconder de si mesmas e dos outros o fato de que na verdade não têm nada a dizer.

- Arthur Schopenhauer

3 comentários:

Raquel Albuquerque disse...

meu maior medo é acordar um dia e perceber que não tenho nada de novo a dizer...

Alexandre Caporal disse...

As vezes penso que vivemos a desconstrução da linguagem que com tanta complexidade elaboramos.
A palavra como instrumento de persuasão e ilusão parecem ter infinitos caminhos, para que jamais fiquemos sem respostas.
Mas a verdade por mais esquecida que esteja ainda tem o que dizer, quem sabe ainda tenha sua oportunidade. Meu fascínio, busca sem fim.


*Parabens pelo blog, abraço.

Anônimo disse...

Ufa, KCT! Novamente tava achando que tu tinha escrito isso até...chegar no verdadeiro autor! hahaha Quase tu me mata se susto!

Mas falando sério, discordo de A.S. no que diz respeito a escrita ingênua. Não existe isso de escrita ingênua. Todo pensamento ao nascer se faz, por si, ideológico. Eis então um dos grandes compromissos da arte e do intelectual. Mesmo CHINASKI transborda política na sua pretensa falta de estilo ;-)

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