Tratado sobre a vida e outras estórias

| 28 de abr. de 2009
eu nasci em santa catarina há quase vinte e dois anos atrás. meu pai trabalhava numa multinacional britânica. minha mãe era dona de casa. e o meu irmão passava o dia lendo gibi. a gente vivia em uma casa que demorou um bom tempo pra ser levantada, numa ruazinha feita de brita. como o meu pai ficava fora o dia inteiro trabalhando e minha mãe cuidava dos afazeres do lar, desde muito cedo eu fui criado pelo meu irmão e os seus gibis (eu tinha alguns amigos imaginários também, mas isso é outra história).
eu era um moleque magrelo, as pernas meio tortas, a camisa suja e rasgada do fluminense, os pés descalços. e acreditava que, de alguma maneira, os adultos não iam muito com a minha cara. pouco importava.
no colégio eu pude descobrir que haviam meninos e haviam meninas. que as meninas eram mais recatadas, mais quietas, que eram mais puras. e que os rapazes era quase todos metidos a valentões. eu me achava diferente de todo mundo. quando a professora dava as costas para escrever no quadro, eu fugia no meio da aula pra namorar os livros na biblioteca da escola. foi lá que fiz meus melhores amigos. conheci muita gente interessante. passei pelos russos, pelos ingleses, pelos latinos, pelos brasileiros, pelos americanos. cada livro novo era um mundo novo.
com o tempo descobri a força que uma palavra tinha. e então comecei a escrever. enquanto a professora falava sobre números e cálculos e equações, eu puxava um caderno e escrevia sobre qualquer coisa. eu não me importava sobre o que fosse. só precisava de uma folha em branco e de uma caneta. o resto vinha sozinho.
mais tarde conheci truman capote, que me apresentou ao gay talese, que me levou a lillian ross, que era amiga do tom wolf, e todo aquele pessoal. veio o bukowski. veio o fante. veio o nelson rodrigues. vieram os fernandos. a clarice. o kerouac. o gabriel garcía. e eu conheci muita gente, e achava que tinha um pouquinho de cada um deles quando sentava pra escrever sobre qualquer coisa.
e havia a música. os meus ouvidos eram guiados por dylan, beatles, sinatra, dave matthews, e todos aqueles cubanos malucos e aqueles negões americanos e os tupiniquins e os africanos e os britânicos e um monte de gente de tudo o quanto é canto. aprendi a tocar violão. me apresentei em alguns lugares. toquei com algumas pessoas. nada muito sério.
depois de um tempo mantive uma vida social. fui líder de classe, presidente de grêmio, professor de teatro, diretor de jornal escolar, organizador de festas.
eu era um rapaz tímido, envergonhado, não gostava de falar sobre sexo ou sobre beijo na boca ou sobre qualquer intimidade com as outras garotas. eu havia acabado de completar dezessete anos, tinha um trilhão de cravos e espinhas na cara e pesava um pouco mais de 50 kg, quando conheci a minha primeira namorada. a millana era uma garota magrela de quinze anos, usava roupas largas, piercing, fazia dança de rua, karatê, judô, capoeira, natação, jogava bola. a gente se divertia quando tava um perto do outro. de alguma maneira ela se interessava pelo meu universo e eu encontrava nela uma pureza que já não encontrava mais nas outras garotas. a gente permaneceu assim por algum tempo. e assim os dias foram se passando, e eu li mais alguns livros e ouvi outras tantas canções, chorei com alguns filmes, comemorei gols inesquecíveis do fluminense, conheci lugares, comprei coisas, e a millana sempre esteve do meu lado com suas manias e o seu jeito carinhoso e divertido.
depois de um tempo a gente decidiu mudar de cidade e fomos pra são paulo. o começo foi muito difícil. a gente não conhecia quase ninguém. não havia ruas, lugares, rostos conhecidos. não havia deja vu. eu queria cursar jornalismo e aprender com os mestres a escrever e publicar coisas. ela queria fazer arquiterura. com o tempo a gente foi se afastando um do outro, e o amor foi encolhendo, encolhendo, e a gente se machucava e falava coisas e brigava. e então a gente terminou. eu tinha pela frente a solidão, alguns monstros que insistiam em me fazer companhia, muita coisa pra escrever, alguns livros deixados de lado que deveriam ser lidos e uma cidade inteira com pessoas que te olhavam na cara e não te diziam muita coisa.
e aqui estou.

2 comentários:

Jean Souza disse...

É brother, mas de vez em quando aparecem alguns antigos amigos de Joinville, torcendo por você, e te desejando tudo de bom por aí!
hehehehe

Um abraço, parabéns pelo blog, boa sorte cara!
Jean
(outro garoto magrelo que estudou com você na 1a e 2a série)

Ana Estella disse...

Infelizmente nunca fui magrela na vida.ahahahah
E... você tinha pela frente muitas amelícies, isso aim. ^ ^

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