estranho mundo - parte dois

| 9 de ago. de 2009
perdeu alguma coisa? parte um
no exato instante em que o barulho do despertador acordava patrick para aquele que seria o dia mais importante de sua vida, há algumas quadras daquele lugar uma garota chamada eleanor, que dormia sobre uma escrivaninha amparada sobre as páginas de 'admirável mundo novo', recebia as lambidas de ringo, um gato da raça chartreux, anunciando que um novo dia estava a caminho. eleanor era uma menina franzina, com o cabelo na altura dos ombros e um olhar perdido e solitário. ao acordar com aquela sensação gelada lambendo o seu queixo, pode ainda contar alguns segundos antes que seu rádio relógio explodisse ecoando 'good morning, good morning', dos beatles, pelo quarto inteiro.
eleanor é uma menina solitária. dessas que andam sozinhas pelas ruas abraçadas a livros escritos por gente que já morreu há muito tempo. seus pais são separados e ela é criada pela avó. não tem amigos. conversa pouco. às vezes passa dias inteiros sem trocar uma palavra com ninguém. ringo é seu único companheiro, um gato discreto com um sorriso encantador. eleanor o havia encontrado tempos atrás em frente a uma loja de discos no centro da cidade. ringo parecia esperar por ela. a menina saiu da loja agarrada a 'yellow submarine' em uma das mãos e o gato a seguiu até o caminho de casa.
a noite anterior havia sido preenchida pela leitura daquele livro que falava de um mundo novo, que já não era tão novo assim. aldous huxley era uma das figuras que estampavam a capa de 'sgt. pepper's lonely hearts club band', e só esse feito já seria necessário para que eleanor se interessasse por toda sua obra. ao acordar naquela manhã, ainda contando os segundos para mais uma explosão de seu despertador, eleanor pode perceber que o gato lhe chamava a atenção para um calendário a poucos centímetros do seu nariz. aquele era dia dez de abril. fatídico dia que os quatro rapazes de liverpool decidiram ir cada um pro seu canto, há alguns anos atrás. e dia do seu aniversário.
eleanor fechou os olhos por alguns instantes tentando absorver aquela informação. estava completando dezessete anos de idade. nos últimos anos, para comemorar sua avó fazia um bolo de cenoura e comprava uma coca cola dois litros. naquele dia, ninguém lhe telefonava. não havia 'parabéns pra você'. não havia presentes. sua avó sentava num canto da mesa, e enquanto mordia aquele bolo sem gosto de nada com sua dentadura, assistia a um desses programas do mundo das celebridades que passam na televisão. o aniversário acabava e a coca cola ainda estava pela metade.
o despertador tocou e eleanor saltou da cadeira com uma estranha sensação de que aquele dia seria diferente dos demais. se abraçou a ringo agradecendo a lembrança do aniversário, que tratou de ronronar fechando os olhos, e arrumou sua mochila a tempo de ir à escola. eleanor estava feliz. pedalava a todo vapor pelas ruas da cidade cantando 'here comes the sun', com aquele pressentimento confuso de alegria. era uma menina de dezessete anos. quase uma mulher. ainda tinha dentro de si uma vontade absurda de fazer um monte de coisa. e aquele seria o primeiro dia do resto da sua vida. enfim, o sol viria.
de repente, já no portão da escola, pedalando e cantando completamente desligada do mundo ao seu redor, eleanor não pode perceber a presença daquele menino estranho que caminhava em passos largos bem à frente de sua bicicleta. numa fração de segundos, num daqueles momentos mágicos que ficam guardados na memória da gente até o dia da nossa morte, eleanor havia atropelado patrick e aqueles dois sujeitos desconhecidos estavam jogados no chão um sobre o outro. a menina, ao sentir a presença de patrick grudado ao seu corpo, ainda teve forças pra cantar bem baixinho no seu ouvido:
- here comes the sun, and i say it's all right!

7 comentários:

Anônimo disse...

"ainda teve forças pra cantar bem baixinho no seu ouvido:
- here comes the sun, and i say it's all right!" lindo! lindo demais! adorei o encontro deles e adorei a Eleonor, o gato Ringo e as imagens. ou seja, está tudo muito legal. parabéns! um beijo :]

M. disse...

sempre com um quê de quero mais.
difícil não esperar o próximo.
beijos ;]

Tylara disse...

Adorei.

Karen D. disse...

Te adoramos! Oh Rei dos contos de Patrik!!





p.s. logo virá meu comentário.

Ms Galvao disse...

sgt pepper's lonely club band??? ADORO!!!
como q e mesmo??? ao infinito e ALEM!

Karen D. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Karen D. disse...

Eleanor me faz pensar que no mundo existe pessoas que são especialmente silenciosas, que te fazem sentir este algo que comove a sensibilidade, tudo nela é sensível,
por que o introspectivo é assim: quieto, abarca este infinito de formas que somente uns poucos podem admirar.
e assim, uma alma tão velha como neste “mundo novo”, onde pouco a pouco vai configurando sua essência, nesta sed de liberdade adolescente. coisas por dizer, caminhos que recorrer. e agora se junta (em uma trégua de boa sorte) para brindar sua solidão que nunca esta desprovida de encanto.
espero que Patrik seja este sol que com toda refulgência ilumine este pequeno universo silencioso, e que Eleanor nunca deixe de impressionar-lo.


Aah e se Eleanor não fosse Eleanor ela seria Radha e vice-versa, disto eu tenho certeza

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