como me tornei estúpido

| 15 de ago. de 2009
a construção era larga e alta, colorida, cartazes convidavam a levar a vida com leveza e por uma módica quantia. um grosso M amarelo coroava a fachada do fast-food. um simpático palhaço de plástico o recebeu diante da porta de entrada, a mão levantada, o sorriso espontâneo. antoine entrou e cumprimentou com a cabeça os dois vigilantes, sem dúvida presentes para proteger os clientes dos ataques de poderosas gangues de ladrões de batatas fritas. aproximou-se do balcão:
- bom dia! - disse à moça à sua frente.
- o senhor deseja o quê?
antoine ficou encantado com esta economia relacional: já não era necessário pronunciar uma fórmula de cortesia mecânica. ele, portanto, se absteria dela. era mais franco, era, afinal, mais honesto. ele olhou os cardápios.
- um best of mcdeluxe - decifrou ele no cartaz luminoso estimulado pela promessa de comer por trinta e dois francos um alimento que continha a palavra luxe na sua denominação.
- bebida?
- sim, certamente. perfeito.
- que bebida o senhor quer? - perguntou a moça, excedendo-se um pouco.
- coca-cola, sim, experimentemos coca-cola.
para obedecer aos usos e costumes desta nova realidade, ele teve o reflexo de se abster de todo e qualquer agradecimento. instalou-se a uma mesa bege e começou a comer as batatas fritas enquanto bebia o seu um terço de litro de líquido marrom e borbulhante. com olhar curioso, observou uma batata frita, mergulhou-a numa mistura de ketchup, mostarda e maionese, e mordeu-a. poucos dias antes, antoine não se teria podido impedir de pensar, ao simplesmente comer uma batata frita, na história sangrenta da batata, nos sacrifícios humanos que a civilização asteca fizera em seu nome. que esse simples tubérculo carregasse tantas mortes na sua consciência o teria sem dúvida impedido de apreciá-lo completamente. inábil, cravou os dentes no sanduíche; uma parte dos molhos viscosos caiu no prato. ele teve de reconhecer que gostava disso. não estava seguro de que era bom para a saúde, as embalagens não deviam ser biodegradáveis, mas era simples, pouco caro, muito calórico e de sabor tranquilizante. o gosto lhe dava a impressão de encontrar uma família sem fronteiras, de reunir-se aos milhões de pessoas mastigando no mesmo instante um sanduíche idêntico. como em uma coreografia internacional, ele executava os mesmos passos e gestos de pagar, de transportar o prato, de beber a coca e de ingerir as batatas fritas e o sanduíche que outros bailarinos-consumidores em templos exatamente semelhantes. ele sentiu certo prazer, uma confiança, uma força nova em ser como os outros, com os outros.

- martin page, do livro 'como me tornei estúpido'

1 comentários:

Thiago e Nayra, Nayra e Thiago disse...

Saudades de postar por aqui... Estou com problemas com a porcaria da minha internet!
Logo volto pra conversar!

Beeijos

PS: Texto perfeito.

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