Os 10 mil motoristas de ônibus de Nova York enfrentam todo dia o pior trânsito do mundo, ao mesmo tempo que são insultados por velhinhas, enganados por estudantes, fechados por táxis e obstruídos por caminhões; tudo isso enquanto dirigem com uma mão e dão o troco com a outra, entregam bilhetes de baldeação, respondem perguntas, se apressam para pegar o sinal verde, procuram cumprir o horário, evitam os buracos da companhia de eletricidade, pedem aos passageiros que se dirijam para o fundo do ônibus, ouvindo o contínuo tilintar da campanhia de parar e sofrendo de dor nas costas, úlceras, hemorróidas ou um desejo quase incontrolável de enfiar o ônibus num muro de pedra e sair andando. Apesar de todo esse tormento e labuta, o motorista de ônibus de Nova York continua a ser, em grande medida, uma pessoa anônima que passa a vida mostrando apenas metade do rosto no retrovisor. Ele nunca terá o prestígio dos motoristas dos vistosos Greyhound, que usam quepe e disparam feito pilotos, ou dos motoristas de ônibus de subúrbio, que são chamados pelo nome pelos passageiros e ganham presentes no Natal; ou ainda dos motoristas de ônibus de excursão, que levam as pessoas a piquiniques e em geral são convidados a participar; tampouco dos motoristas de ônibus escolares, que eventualmente podem bater num passageiro barulhento e não sofrer nenhuma punição, se o departamento de Educação local não for progressista demais. O motorista de ônibus de Nova York é subestimado. Quando levanta os olhos para o retrovisor, ele ve a multidão dos que pegam quinze centavos e o ignoram. Ele os ve olhando através da janela, olhando para os próprios pés ou tentando ler o jornal de outras pessoas. Ele ve um boy desgrenhado apertando os olhos para ler um envelope pardo, uma senhora gorda segurando a sacola de compras enquanto disputa com um homem o único lugar vazio no ônibus. Ve passageiros de pé, pendurados nas alças como quartos de boi no açougue, e os odeia porque se recusam a sair do lugar quando ele pede pela enésima vez: “Um passinho à frente, por favor, tem bastante lugar no fundo do ônibus.” Os passageiros o ignoram, e continuarão a ignorá-lo até o momento em que ele perturbe a paz deles - ao dar uma freada brusca, ao deixar de responder uma pergunta ou de parar num ponto quando eles tocam o sinal. Dia após dia os motoristas padecem dessa rotina interminável, sabendo o que esperar - e quando - dos 3 milhões de nova-iorquinos que andam de ônibus a cada dia da semana. Às seis da manhã, por exemplo, os motoristas de ônibus pegam telefonistas, enfermeiras, empregradas domésticas, empregados de hotel; depois deles, às sete horas, é a vez dos comerciários, estivadores, ascensoristas e uma infinidade de outros leitores da imprensa marrom que entram no serviço antes das oito. Durante essas horas ouve-se o ruído ininterrupto de moedas tilintando dentro da caixinha de dinheiro, porque esses passageiros das primeiras horas, que também pertencem à classe trabalhadora, procuram facilitar a vida do motorista trazendo a quantia exata da tarifa. O trabalho do motorista de ônibus só começa a ficar desagradável às oito da manhã, quando os estudantes, livros debaixo do braço, começam a entrar, abrindo caminho a cotoveladas. Às nove da manhã, o ônibus fica repleto de secretárias, de recepcionistas e de perfume. Às dez, as secretárias executivas (que trabalharão até as seis) e funcionários de escritórios que ainda não se podem dar ao luxo de andar de táxi, e também as primeiras vagas da maior bête noire dos motoristas de ônibus - as senhoras que vão às compras.”A senhora que vai às compras pode estar com a bolsa tilintando, cheia de moedas, mas me dá uma nota de cinco dólares”, diz Barney O’Leary, que começou como motorneiro em Nova York, há 34 anos, e parece ter acabado de sair de O Delator. “Ou então ela está com uma amiga e diz: ‘Pode deixar, Sophie, eu tenho’. Aí ela põe a luva na boca e começa a procurar moedas - enquanto todo mundo espera do lado de fora, na chuva.” “Quando chego num ponto cheio de gente”, continua ele, “a primeira fila é invariavelmente uma mulher carregada de compras. Quando entra no ônibus ela põe os embrulhos no chão, fica remechendo na bolsa e, depois que lhe dou o troco, me pede um bilhete de baldeação de três centavos. Assim, tenho que arranjar troco pra ela duas vezes! Claro que quando pede o bilhete de transferência ela sussurra, a gente mal pode ouvir, mas quando ela xinga, o ônibus inteiro ouve.”"Essas mulheres são tão más”, acrescenta ele, “que em Nova York os homens não lhe dão mais lugares. Eles sempre se sentam no fundo do ônibus e fingem que não estão vendo as senhoras no pé do corredor. Ou então enfiam a cara em jornais, tiram um pedaço de papel do bolso e fingem estar ocupados em escrever coisas importantíssimas. Muitas vezes os homens ficam tão preocupados em manter o assento que deixam o ponto passar.” Para os motoristas que conseguem aguentar o tranco, o trabalho dá uma certa segurança e um salário médio próximo de 120 dólares por semana, incluíndo as horas extras. Os motoristas percorrem cerca de 97 quilometros durante o expediente de oito horas e arrecadam perto de cem dólares em passagens, e tem de prestar contas de cada centavo. Embora existam homens obstinados como Barney O’Leary, que conseguem passar a vida inteira insistindo para que as pessoas passem para o fundo do ônibus, outros há que dão um basta depois de dez ou quinze anos. Esses motoristas trocam de profissão e passam a trabalhar nas viações como mecânicos ou encarregados de manutenção, por exemplo, e muitos deles ficam muito satisfeitos, e até simpáticos - ali, longe da multidão enlouquecedora e do barulho da campainha, longe dos engarrafamentos e das cartas de reclamação, longe das arrogantes freguesas de lojas que, por quinze centavos, pensam poder controlar o destino de um motorista de ônibus.
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